De início, vejo as razões em votar sim muito mais imperativas e sensatas. Escolha do coração, escolha da razão. O cotidiano mostra que o problema é o excesso de arma, não sua falta. Arma de fogo tem uma única finalidade: matar, independentemente dos miolos no chão serem de um parente, um amigo ou algum infeliz que atentou contra o poderoso direito à propriedade individual. Na minha pobre consciência moral, homicídio é e sempre será homicídio.
Assustam-me, particularmente, pessoas religiosas [notadamente as cristãs], engajadas no NÃO. A surpresa é tão grande quanto descobrir que fãs de Ghandi estão favoráveis a resistência armada. O cristianismo oferece claramente uma filosofia pacifista – apesar de muitas vezes a história dizer que na prática a teoria é outra. O louco do Nietzsche, ao analisar o cristianismo, considerava que cristão bom era aquele que por debilidade moral aceitava a submissão facilmente. Um homem fraco, portanto.
Apesar do site do Referendo Sim ter uma seção “Religiões pelo Sim”, a opção dos fiéis parece nem sempre corresponder (o que não é de todo ruim, imaginando que a decisão final é pessoal e não influenciada pelo pastor, padre ou outro líder religioso qualquer). Pessoalmente, conheço vários ‘carolas’ a favor do Não. Gente que discursa muito bem sobre fé, Jesus, Deus, diabo, inferno e pecado, admite sem pudores que a legítima defesa, da família ou da propriedade, é natural.
Pouco conheço de assuntos teológicos. Não é preciso, contudo, ser especialista para reconhecer a índole pacifista dos princípios cristãos. Um exemplo: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho, dente por dente’. Mas eu lhes digo: não se vinguem dos que fazem mal a vocês. Se alguém lhe der um tapa na cara, vire o outro lado para ele bater também. Se alguém processar você para tomar a sua túnica, deixe que leve também a capa. Se um dos soldados estrangeiros força-lo a carregar uma carga um quilômetro, carregue-a dois quilômetros. Se alguém lhe pedir alguma coisa, dê; e, se alguém lhe pedir emprestado, empreste” (Mateus, 5:38-42).
E quanto ao direito à propriedade? Uma associação conservadora cristã, a ACSI (Association of Christian Schools International), na sua Enciclopédia das Verdades Bíblicas, reconhece a condição comunitária da propriedade dos primitivos cristãos. Desaconselha, porém, devido aos inúmeros problemas daí derivados (sic) e de não haver nenhuma recomendação nas epístolas apostolares. E nem de propriedade particular, convenhamos. Divinizar a propriedade privada interessa a quem?
A arte de interpretar é a matriz da pluralidade religiosa. Pieguice à parte, a Bíblia e o Alcorão servem tanto para matar quanto para amar. Assim como no referendo, a decisão é sua.
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Razões que me levam a votar SIM estão no post abaixo.
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