Não careço de patuá – dizia João José de Jesus dos Santos, vulgo Tiquim. Com nome sacrossanto desse, de patuá não necessitava mesmo. Já o apelido dizia respeito ao seu porte, trisco-de-gente exemplar. A frase saía comumente em situações que o falante se encontrava xumbregado e todo empachado. Com pandu cheio, bom era desaconfronchegar: a mente ficava fuá, descontrolava-se na sebereba e obiadeira era o resultado certo. O zuretado raparigueiro tinha sempre como companhia Corisco, um cavalo que seu sogro lhe presenteara – meio a contragosto, já que o genro havia casado na igreja verde. O azogado animal logo cumpriu um desejo do sogro, deixando Tiquim caxingando pelo resto da vida. O monumental coice na canela foi dado quando o pobre homem caqueava o arreio no embeiço de fronte a tapera. Dizia que era coisa de terecô só pra não bater canela na suça. Trololó que estava, quis botar canga com um chute no animal, veja só a falta de sabença. E, todos sabemos, quem deve desarnar é o peão, não o potro. Mas sabença faltava ao Tiquim. Todavia, no final das contas, todo mundo reconhecia que o homem era dozento de fina fruita, reconhecido em qualquer biboca.
Glossário, via Dicionário Tocantinense de Termos e Expressões Afins (de Liberato Póvoa):
Arreda: Saia
Azogado Animal: arisco
Biboca: Lugar inacessível
Botar canga: Submeter
Caquear: Buscar
Casar na Igreja Verde: Amigar
Caxingar: Mancar
Desaconfronchegar: Sair de perto
Desarnar: Aprender aos poucos
Dozento: Pessoa boa
Embeiço: Confluência de duas cercas
Empachamento: Empanturramento
Fruita: Coisa rara
Fuá: Confusão
Obiadeira: Disenteria
Pandu: Barriga
Patuá: Amuleto
Sabença: Sabedoria
Sebereba (ou simberaba): Sobremesa de massa de buriti
Suça: Dança regional
Terecô: Sessão de macumba
Trisco-de-gente: Homem pequeno
Vesprar: Às vésperas de
Xumbregado: Embriagado
Zuretado: Atrapalhado
Srta. Bia
julho 15, 2007 at 13:12Não há como não sorrir ao ler a história de Tiquim contada de um jeito tão peculiar e tão natural. O som dessa língua popular e o sotaque que naturalmente imprimo ao lê-la em voz alta fazem cócegas.
D. Afonso XX o Chato
julho 15, 2007 at 17:30Coisa interessante a língua, né? Alguns termos usamos por aqui, mas com significado diferente. O único igual é “botar canga”. abs
Thera
julho 16, 2007 at 14:47Boiei de definitivamente terei que gastar algum tempo na tradução. Impressionante como o Brasil é rico em seus dialetos e nem percebemos!
Saudações!
Dourado
julho 16, 2007 at 21:35Muito bom,
não vim antes pq agora tou sem internet nos fins-de-semana, mode as vista, rsrsrs
abração, conheço uma ruma de expressões q vc citou, bom texto.