Mulheres indianas, mulheres brasileiras

Mulheres bonitas, Ganges, castas e Ghandi. Para muitos, a Índia se resume nisso. E daí a surpresa do homem comum ao descobrir que o cinema indiano supera a concorrência hollyoodiana – quantitativamente – e que a indústria informática de lá é uma das mais bem conceituadas do mundo.
A Índia segue sendo um país de diferentes e de desiguais. As distâncias sociais são legitimadas por um proterozóico sistema de castas. Resquícios feudais, diriam alguns. Civilização diferente, defendem outros.

Essa organização social rígida é de longa data. Segundo alguns estudiosos, o sistema de castas já dura quase dois milênios. Sua origem está numa lenda: os humanos se originaram de um Ser Primeiro. Julga-se que as pessoas saíram desse corpo-base a cumprir cada qual com sua função.

Nesse raciocínio, os braços deram origem aos guerreiros (xátrias), a boca aos sacerdotes (brâmanes), as coxas aos comerciantes (vaixás), os pés aos trabalhadores braçais (sudras). Para terminar, os parias (achuta ou dalit) – que não saíram de parte nenhuma do Ser Original.

Os parias são impuros, intocáveis. São seres humanos merecedores de desprezo. Não podem sequer entrar no rio Ganges, sagrado para o Hinduísmo. Curiosamente, são os nativos da Índia, uma vez que as outras castas são originárias de povos invasores.

As atividades dos dalit estão relacionadas a impureza. Trabalham com lixo, excrementos, corpos mortos. Mesmo escapando dessas atividades, sua remuneração será sempre mais baixa.

Assim, escancara-se que pouco bem à coletividade faz o sistema de castas. Combinado ainda com um capitalismo selvagem de meter medo a qualquer vespa-do-mar, o resultado não seria nada humanamente desejável.

Pois bem. Para variar, a sociedade indiana encarna ainda profundos princípios machistas. Da concepção à morte, há profunda desigualdade entre os gêneros. Assassinato de mulher não desperta tanto interesse da justiça. Mulher estuprada? A culpa é da vítima, lógico. Quem mandou andar seminua?

Em 1989, o Estado de S. Paulo publicava uma reportagem que ressaltava a grande incidência de infanticídios entre as crianças do sexo feminino. Hoje, pouco mudou. Com uso tecnológico nos exames pré-natais, aumentou-se o aborto de meninas. Há notícias de que em muitas famílias importantes do interior da Índia gurias são raridades.

A verdade é que ser mulher na Índia não é tarefa fácil. O costume de o sogro pagar o dote da mulher ao genro, quando se casa, tem transformado o casamento em poderoso instrumento de barganha. Não é raro o moço chantagear o sogro, ameaçando encerrar o enlace caso não receba mais algumas pilas. Não são casos excepcionais espancamento de mulheres para abrir a carteira do sogro. Também não é incomum a mulher abreviar todas essas querelas, suicidando-se.

Essa é a vida das mulheres pertencentes às famílias que podem ofertar dotes ‘gordos’. Imagino que as moças e senhoras parias sofram bem mais. O sofrimento é duplo, como atesta Anasuya Sengupta, feminista indiana.
Dados mostram que a violência contra a mulher é mais recorrente nas famílias de baixa renda. Obviamente, há casos bem representativos no topo da pirâmide social. Mas a possibilidade da mulher ser vítima de agressões é muito maior caso ela seja pobre e com baixo nível de instrução.

Se baixar algum “sentimento pollyana” em você, sacuda imediatamente os ombros e veja que não temos nada a comemorar (os dados são do Ipas-Brasil):

– Segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia (Holanda), que pesquisou a violência doméstica em 138 mil mulheres de 54 países, 23% das mulheres brasileiras estão sujeitas à violência doméstica.

– A cada 4 minutos, uma mulher é agredida em seu próprio lar por uma pessoa com quem mantém relação de afeto.

– As estatísticas disponíveis e os registros nas delegacias especializadas de crimes contra a mulher demonstram que 70% dos incidentes acontecem dentro de casa e que o agressor é o próprio marido ou companheiro.

– Mais de 40% das violências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos.

– O Brasil é o país que mais sofre com a violência doméstica, perdendo cerca de 10,5% do seu PIB em decorrência desse grave problema.

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Dados da violência contra a mulher em vários países você encontra aqui.
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Hoje, 25 de novembro, é Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. A Denise organizou uma blogagem coletiva sobre o tema. A lista de participantes está aqui.

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