I.
Passaram-se mais de trinta anos. Pouca certeza, pouca tranquilidade, e acima de tudo, pouco dinheiro. Definitivamente, não era esse o sonho. Porque isso é pesadelo.
II.
Descubro que não tenho nada em mim bom o suficiente para, narcisisticamente, me orgulhar. Não jogo bem futebol, não dirijo bem, não gosto de cachorro. Sequer sei contar boas piadas. Até estudar – que sempre contei vantagem sobre isso – anda me pregando peças. É, é minha memória. Esqueci o autor d’O Ateneu, uma boa metáfora do elevador do Zizek, provas na cantina, responder um importante e-mail, e etc. Do último livro que li, Plataforma, só lembro pequenos fragmentos, o suficiente para qualquer um duvidar do fato de que, sim, eu li o livro. E isso porque não faz nem dois meses que fechei o livro pela última vez.
III.
Morei numa pequena cidade no interior do Brasil que orgulhosamente se apresenta como a capital da amizade. Brincava com isso, porque achava que a amizade correu léguas da cidade. Uma bobagem. Porque, afinal, a comparação que fazia era com a cidade natal, farta de parentes e sobrando amigos de infância, da faculdade, da igreja. Uma rápida visita, depois de mais de três anos da mudança para Brasília, me fez rever conceitos. Lá, sim, é a capital da amizade.
IV.
Essa relação urbana da proximidade física e, ao mesmo tempo, estranhamento, mostra que a raça humana não tem jeito mesmo. Pior ainda é chamar bons modos de “urbanidade”. Quem já visitou propriedades rurais sabe do que falo. Não há povo mais carinhoso e receptivo do que os ‘campesinos’. As habitações esparsas fazem com que os vizinhos pouco se vêem. E quando isso acontece, é motivo de festa. Já meus vizinhos não têm sequer o hábito de se cumprimentarem. Sofremos de excesso de proximidade, é isso? Quer dizer que quanto mais próximo, mais distante? Quanto maior a possibilidade de relacionamentos, pior? Quanto mais posso ser humano, dentro de todas as magníficas possibilidades do relacionamento entre pessoas, mais eu me nego enquanto tal?
V.
Datena vocifera na TV. Sangue escorre pelo aparelho. Quero descanso. Quero paz. Deixa eu ir ali assistir Dexter. Porque na ficção tudo é sempre melhor do que na realidade.
VI.
Sem desanimar do blog, porque, afinal, continua ainda sendo mais barato do que pagar terapeuta.
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