Viajando

Cidadezinha Qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar… as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
Carlos Drummond de Andrade

São duzentos e oitenta quilômetros de distância e mais de quatro horas de solavancos e ruídos estranhos em ônibus certamente confortáveis na década de 60. Não, não é só isso. Coloca na fita aê meninos chorando, homens etílicos resmungando e mulheres cochichando em cem decibéis. Tem a poeira também. Dois quilos por cabeça, pós-viagem.

Enfim.

~*~

A cidadezinha, como aquela do poema de Drummond, tem algo em torno de dois mil habitantes. Tem não; tinha. Há três anos que mais de dois mil homens chegaram a cidade. A população, em questão de dias, dobrou. Isso por conta de uma maldita barragem em construção nas proximidades. Dessas inúmeras que estão aparecendo ao longo do curso do rio Tocantins. Resultado da ‘modernidade’: uma curiosa inflação nos preços na hospedagem em função do aumento da demanda. Apareceram também generosos arredondamentos nos abdomens das adolescentes, mas aí já é outra história.

O estado se vangloria de exportar energia. Um trunfo, para medinhos aqui e acolá de crise energética. O que o povo daqui não se orgulha é da salgada conta da companhia elétrica. Isso é: abundância há para exportação, mas nós, os manés aqui, pagamos mais caros que os vizinhos que a compram. Vai entender.

Voltando a cidadezinha. Existem dois hotéis. Indicaram-me o melhor e, afugentado que fui da diária de R$ 85,00 (sério.), procurei a segunda opção. Um pouco mais leve o castigo-sem-crime: abateram vinte pilas do concorrente. Por certo, o péssimo atendimento fazia parte do pacote; demoraram vinte minutos para me atender no balcão. Sem ao menos me registrar, o hoteleiro indicou uma sonolenta e mal-vestida camareira para me acompanhar ao quarto 23.

Passos lentos. Lentíssimos. Corredor longo, escuro. Não fedia, pelo menos. Quarto com ar-condicionado, TV colocado em um dos beliches. A moçoila me pergunta se quero travesseiro e toalha (SSSIIIICCCC!!!). Aceno, perplexo, a cabeça pra cima e pra baixo. Ela sai. Fecho a porta. Jogo a mala em uma das camas, e na outra – não antes de soltar um suspiro genioso de felicidade pelo descanso que, enfim, apareceria – deito suavemente.

Nada suave foi o estrondo da cama se partindo. Poupo palavras. Taí a foto pra dispensá-las.

~*~

O banheiro, um caso a parte. Limpíssimo, é bom dizer. Mas sem sabonete. E com o piso inclinado. Tomo banho e a água escorre para debaixo da cama, lá no quarto.

~*~

Depois de três dias de trabalho – e os poupo de detalhes sobre o café da manhã e demais minúcias culinárias – durmo parcas seis horas, acordando às cinco da manhã. Em trinta minutos, o ônibus sairia. Estava meio atrasado, pra variar. Chego na portaria faltando dez minutos para a batedeira motorizada partir. Não havia ninguém. Ninguém queria receber pela minha estadia. Olho para um lado, para outro, e deixo, feliz e finalmente, o famigerado “Hotel Central“.

4 Comments

  • Dourado

    junho 22, 2007 at 22:28

    Sou louco por viagens, qualquer dia tento postar sobre meu desprazer de conhecer o Hotel do Viajante, em Piripiri.

    Abraços.

  • Allan

    junho 23, 2007 at 14:36

    Isso por que você não conheceu os lugarejos que visitava a trabalho, no interior da Bahia. Ar-condicionado? TelevisãoO
    E você aida reclama.

  • Cláudio Costa

    junho 24, 2007 at 12:36

    1. “Cidadezinha qualquer” eu conheço desde criança, lendo o Drummond e identificando a vila narrada no poema com minha Nova Era-MG.
    2. Já vivi experiência igual à sua: hotelzinho mequetrefe, cama que se parte e água do banheiro invadindo o quarto! Só que não tive sua verve literária pra descrevê-la tão bem. Parabéns.
    3. Por coincidência, tenho um irmão, engenheiro, que trabalha numa daquelas empresas que constroem barragens: já morou em algumas cidades do Tocantins e fala-me, principalmente, do calor.

  • Lino

    junho 25, 2007 at 23:46

    Já enfrentei situação semelhante e, confesso, isso não me deixou nenhuma saudade.

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