O olhar do professor

Como o professor vê a educação é a matéria de capa da revista Nova Escola desse mês. Em parceria com o IBOPE, quinhentos questionários foram aplicados em todas as capitais brasileiras. O resultado apresenta algumas contradições – e a reportagem as toma como fio condutor.

Dessas contradições, está o reconhecimento da qualidade dos cursos de formação inicial (64% consideram boa), ao mesmo tempo em que a metade dos entrevistados afirmam que não estão preparados para o trabalho pedagógico. É como se os médicos dissessem que são bem formados mas, ao mesmo tempo, reconhecessem que não estão preparados para clinicar.

Parte disso – é minha hipótese – decorre do pouquíssimo contato que os cursos de formação de professores mantêm com a escola. Quando há alguma relação, essa é profundamente hierárquica, do tipo “aqui, na universidade, nós produzimos saberes; aí vocês tem a missão de reproduzir”. E, se assim for pensada a educação, de fato a vulgarização do conhecimento correrá a largo.

A universidade não conhece, por experiência, a escola. Os professores universitários, grosso modo, não sabem como funciona a microespacialidade de uma aula do ensino fundamental e médio, com todas as suas variáveis. Tá, isso não é fundamental; mas, em muitas situações, o que a gente vê é a falta de experiência docente nesses níveis de ensino refletir em bobagens ou generalidades ditas continuamente.

O próprio caso da Nova Escola reflete o desconhecimento, por muitos especialistas, do que se passa nas instituições de ensino. Há um certo tom de surpresa, no decorrer da reportagem, em relação às respostas colhidas dos professores. Tivesse uma sintonia entre a revista e seu público alvo, não haveria motivos para tanto.

Nesse caso, o professor é o “Outro”. A revista não dialoga com os discursos docentes, mas com os especialistas. Há, nesse modelo, uma concepção entremeada em todas as frases da reportagem: quem deve pensar as políticas educacionais e o papel do professor não é o próprio. É o especialista. Exemplo maior não há: na mesma edição em que anuncia os ganhadores do prêmio nacional Victor Civita, a mesa redonda de análise do discurso do professor não consta nenhum representante da categoria. Sequer lembraram dos ganhadores do prêmio que, metaforicamente, representam o que há de melhor nas salas de aula brasileiras.

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Acertadamente, a reportagem toca em uma ferida aberta no educador do século XXI: a ausência da família na escola. Isso é um fato. E não se nega fatos, obviamente. Ora, resta saber, então, quais são as novas estratégias que a escola assumirá. Pelo menos o que está claro é que a escola, em seu modelo tradicional, está falida. Em um tempo não tão muito distante, quilos de livros apareciam para receituar prescrições infalíveis para sucesso em sala de aula. Essas fórmulas, pelo menos, estão descartadas. Aliás, as fórmulas, per si, ficaram desacreditadas, felizmente.

1 Comment

  • Jens

    novembro 14, 2007 at 20:18

    Oi Juliano.
    É evidente que tens conhecimento de causa. Por isto mesmo é desalentador ler as tuas observações quando se tem consciência da importância da educação para o futuro do país (aqui no sentido de ser uma nação minimamente civilizada). A continuar assim, desprstigiando os responsáveis pela educação de nossas crianças, ainda vamos levar um bom tempo para superar a bárbarie e suas feridas sociais. Saudades do professor Darcy Ribeiro.
    Um abraço.

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