O ENEM 2010: sucesso ou fracasso?

Ora, se você está acompanhando o noticiário nacional não terá a mínima dúvida de que a resposta, para essa pergunta, aponta para um estrondoso desastre. O celeuma criado em torno de algumas provas com problemas tem consumido páginas e páginas de jornais, horas e horas nos rádios e tv’s.

Esquecem, no entanto, de ressaltar o fato de que os problemas se restringiram a 0,06 do total de provas. Isto é, 99,94% dos cadernos de prova estavam absolutamente corretos. Isso não parece ser suficiente para a parcial imprensa brasileira…

Projeto Computador Portátil para Professores

Ainda no início de julho, com toda pompa (des)necessária, foi divulgado o projeto “Computador Portátil para Professores”. O cronograma do programa era arrojado: em pouco mais de um mês seriam oferecidas as primeiras máquinas. Ao sabor da propaganda, o problema da inclusão digital (sic) dos docentes brasileiros seria resolvido com milhares de laptops, financiados a módicos juros.

O anúncio do projeto repercutiu em centenas de blogs e sites. Eu mesmo escrevi aqui, positivamente. Quase três meses depois, o ruído se foi. Ninguém fala mais nisso. Aquele barulhão, apontando para a celeridade e seriedade do processo, sumiu. Ficou apenas o sussurro de recados deixados no site oficial do programa – sem nenhuma possibilidade de informar um cronograma qualquer. Não há, ainda, bancos conveniados para os financiamentos nem fabricantes de notebook cadastrados.

A propósito das iniciativas de inclusão digital, o staff desse atual governo já apresentava um revés, simbolizado pela falência natimorta do projeto UCA (Um computador por aluno), que demonstrou ser muito caro para tão pouco resultado a curto prazo (que é o que vale para políticos, sabemos há tempos).

Em suma: quem, como eu, desistiu de comprar laptop em julho em função dessa benesse do Grande Guia, pode não ter feito uma escolha muito sensata. Resta saber se, agora, o mais prudente é esperar – já que quem espera três meses pode muito bem esperar mais três – ou mandar essa politicalha para o espaço e, em doze alegres parcelas, aumentar a dependência da parafernália tecnológica, mais e mais indispensável hoje em dia.

Onde a direita e a esquerda se confudem…

Pela mesma razão que o estado é laico, as aulas do estado também deveriam ser politicamente neutras.

Essas palavras saíram da cachola de Gustavo Ioschpe, colunista de Veja, mas poderiam muito bem ser de algum burocrata chinês ou norte-coreano incomodado com a penetração de “idéias ocidentais” nas escolas. Ser neutro, nesse caso, é concordar com o estado de coisas que aí está, zelando por sua conservação. Educação mais chapa-branca não há!

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Hoje é aniversário da mais querida cidade. Palavretas de Sebastião Santana Silva, em homenagem:

Saudade

Não sei, nem posso explicar
Minha feliz emoção
Quando chego em minha terra
Ao ver no alto da serra
A capela de São João

Aqui distante, saudoso,
Eu sinto em mim surda guerra
De abandonar isto tudo,
Pr’um lado deixar o estudo,
E partir pra minha terra.

Para a terra da igrejinha,
Igrejinha de São João.
Onde qualquer é-me amigo
Não tenho um olhar inimigo,
Nem um hostil coração.

Me mudar lá para o outeiro
Que tem por nome ‘Saudade’
Vivendo ali bem sozinho
Com São João bem juntinho,
Terei feliz soledade
“*

* Vaz, Coelho. Vultos Catalanos. Goiânia: Líder, 1994. Pp. 151-152.

God save the communists…

Depois de folhear a última edição da revista Veja, senti-me em tempos de Guerra Fria.

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Em sua reportagem de capa, o semanário desatinou várias críticas a uma porção de livros de geografia. Umas boas – principalmente àquelas formuladas ao material do COC – e outras totalmente sem sentido – como às destinadas a coleção “Geografia Crítica”. No saldo geral há mais bobagens no box da reportagem do que nos próprios livros analisados.

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A tese esposada por tão ilibada e virtuosa revista? A educação brasileira é ruim (eureka!!!). Mas isso não é tudo. Aliás, parece que foi só um mote para outra (horrrrrííííível) teoria: as escolas brasileiras estão contaminadas pelo esquerdismo. Daí a visita aos mais conceituados colégios brasileiros. Uma coisa meio estranha: se esses colégios são “esquerdistas” e estão no topo da parada, não deveriam as outras escolinhas de periferia seguirem-os? Tiro no pé, não?

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A crítica ao esquerdismo está na ênfase dada a inculcação de valores “comunistas” – ao invés de exercitar o pluralismo de idéias. Troquemos essa palavra entre aspas por alguma outra mais palatável à direita e esperemos – sentados – a histeria do semanário.

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Essa neura em relação ao comunismo conduz a situações curiosas. Gritam contra a “partidarização” (SIC!) nas escolas, mas, na prática, estão dizendo “Fora comunistas!”. Isso não é nenhum exercício de “pluralismo”, convenhamos.

Tal piração ainda leva a censura de termos consagrados na educação dentro de uma democracia liberal, como é a formação para cidadania. Para os “não-partidaristas”, isso é coisa de comuna.

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Loucura, loucura.

Tu errou, prof!

Estou completando oito anos de minha primeira entrada em sala de aula como professor. Tem sido uma longa jornada. Permite-me, com algum ar de galhofa, dizer que possuo notória experiência. E, também, que coleciono muitas histórias boas – outras nem tanto. Os episódios mais traumáticos coincidiram, claro, com os primeiros passos, diminuindo em função da aprendizagem docente.

Um  scrap no orkut, hoje, avisando que minha rede social aumenta um número, lembrou-me de um dos últimos – e talvez o maior – erros que cometi enquanto professor. Segue o relato.

2004, em uma escola confessional do interior do Tocantins

Aproximava o final do ano letivo. As provas haviam sido aplicadas e, para aqueles alunos que não conseguiram a média bimestral, restava uma oportunidade (dos alunos ganharem nota e do professor deixar fluir toda sua neura sadô): a argüição.

Para controlar a disciplina da sala – já que a atividade envolvia apenas alguns alunos – combinava com a turma que todos, indistintamente, somavam um ponto de participação. O comportamento na sala, durante a avaliação oral, é que diria se esse ponto seria intelgramente recebido pelo aluno ou não. Dessa forma, qualquer anormalidade (conversa, principalmente), era punida com a perda de um décimo (hhhuummm… “surveiller et punir“, hein?).

Esse era o combinado desde o início do ano e realizado duas vezes por semestre. Tudo ia, assim, dando certo (!),  até quando…

A turma

Das dez turmas que eu tinha no colégio, aquela era uma turma especial. Especialmente porque tenho uma queda por dois perfis de aluno: os metralhadores (inteligentes e que gostam de mostrar que são) e os piadistas (que interrompem a aula, a qualquer hora, com uma tirada ou piada engraçada). E essa era uma turma repleta de alunos que possuíam os dois perfis.

Ao gostar muito deles, eu também queria, sempre, mostrar minhas melhores qualidades (ou pelo menos aquelas que eu gostaria que fossem…), numa tentativa de alimentar sentimentos mútuos. Como libriano, procurava sempre exercitar meu senso de justiça. Mas isso não bastava: era necessário informá-los, rotineiramente, dessa minha virtude. 🙂

A aluna

Letícia. Era uma das mais inteligentes da sala. Não… corrijo. Era uma das mais inteligentes da escola. Sério. Sua avaliação era sempre corrigida primeiro, naquele instante em que, por não estar cansado de ler tanta bobagem, a gente sente prazer em ser professor, em ver o resultado positivo de uma sequencia de aulas. Em se tratando de prova de Letícia, nunca havia decepção. Nas provas dissertativas, a garotinha escrevia exatamente aquilo que o professor gostaria de ler. Além disso – e é bom dizer – era uma menina de refinada educação.

Um espetáculo, enfim.

A bobagem

Pois bem. A aula corria tranquilamente. A normalidade, ali, era a maioria dos alunos obterem a totalidade dos pontos de participação. Era. Até que…

Uma voz ecoa, sussurrada, pela sala. Era Letícia conversando com um colega. Os alunos se voltam para o “justíssimo professor”, duvidando que houvesse algum tipo de punição. Como se dissessem: “é a queridinha do professor…“. Com ar de gravidade, eu chamo seu nome e assinalo na lista de participação. Foi o único bimestre que ela não ficou com 10. Por dentro, eu me sentia um bobo, um primata autoritário que não sabe utilizar o mínimo de bom senso. (aliás, “nota de participação” já é uma coisa, em si, muito problemática. Maiores esclarecimentos aqui.)

A repercussão

A galera do olé parece que gostou do tratamento igualitário que, naquele momento, ficou representado. Letícia não. Não via razão em ter sua nota diminuída. Não achava justo porque não havia atrapalhado a arguição. E – caraca! – as lágrimas saíram. Não era um choro suave, desses que a gente libera quando o Brasil perde a copa. Era daqueles terríveis, como se a gente tivesse perdido alguém querido. Provavelmente não dei sinal do enorme constrangimento sentido. Nem do absurdo peso na consciência. E o sinal bate. E o ano termina. E ela muda de escola. Eu também. Eu mudo de cidade, de estado, enfim, história acabada.

Até que o orkut aparece. E concede-me a chance de exorcizar o erro. Assim, dessa forma, soltando apressadamente as letras e, certamente, a cada frase me sentindo mais leve por não ter deixado nenhum trauma na guria. 😉

Sobre o piso salarial para professores

Depois de ler sobre a posição contrária de alguns secretários estaduais de educação à lei que institui o piso salarial (míseros 950 mangos), meu ceticismo sobre o futuro da educação nesse país aumentou. É inadmissível, para um Brasil que quer ser grande, tratar a carreira docente com tanta negligência.

Dessa história, ficamos assim: poucos se interessarão genuinamente em ser professores. A maioria entrará na roda por conta do emprego, e só. Não tem essa onda de gostar da profissão e tal. É bobagem dizer, tamanha obviedade: só é bom em uma profissão quem a assume com gosto.

Pra quem sabe o quanto desgastante é a profissão, o resultado dessa cada vez mais desinteressante carreira não poderá ser outro. Se alguma coisa será valorizada, certamente será a mediocridade geral.

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Dessa discussão, uma cena curiosa: a presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), Maria Auxiliadora Seabra, secretária de educação do Tocantins, tratou do tema com bastante empolgação. Até mesmo porque, nesse Estado, os salários dos professores ultrapassaram o piso nacional há anos, demonstrando a seriedade da gestão pública estadual com resultados em longo prazo. Dorinha, como gosta de ser chamada, é, talvez, a mais experiente secretária de educação (está mais de oito anos na condução da pasta) e os índices educacionais tocantinenses tem melhorado significativamente. Isso em um Estado que, ao contrário dos gaúchos, cariocas, mineiros e paulistas, não possui tanta opulência nos cifrões (bizarro isso: os mais ricos estados pagam mal seus professores.). Uma cabal demonstração, portanto, que é possível valorizar a carreira docente em todo o território nacional.

Escolas públicas federais: centros de excelência em ensino?

Os resultados do ENEM repercutem com muitos sorrisos e orgulho na rede federal de educação básica (CEFET’s, Colégios Militares e Colégios de Aplicação). Seria a alta qualificação dos docentes responsável pelo sucesso dos números?

Grande parte do corpo docente da rede federal é composta de mestres e doutores. Mas, convém lembrar, explicar esse fato pela formação docente é simplificar demais o problema. A própria estrutura de ingresso (especialmente nos Colégios Militares), através de vestibulinhos, dá um jeito de excluir alunos medianos e ruins. A matéria bruta que os mestres e doutores trabalham é seleta, diferente das condições encontradas pelos demais professores das redes públicas municipais e estaduais.

Mesmo nas escolas federais há consideráveis discrepâncias. Não se pode, a meu ver, comparar um CEFET com acirrada disputa de ingresso, em regiões tradicionalmente bem avaliadas no Ensino Fundametal e Médio, com outro em que a matrícula é definida por sorteio, a concorrência no processo seletivo é muito baixa ou, ainda, a clientela atendida não chega ao CEFET minimamente competente, do ponto de vista das aquisições cognitivas básicas.

Nesse sentido, a qualidade efetiva do ensino poderia ser medida se fossem computados os dados de entrada e saída dos alunos na rede, da forma como são realizados no ENADE. Daí, sim, poderíamos avaliar, comparativamente e com segurança, o processo de ensino realizado na rede federal.

Mais horas de aula, mais aprendizagem: mito?

É sim. Mito dos grandes. Reportagem de hoje da Folha Online indica que, das 60 escolas em tempo integral, apenas quatro tiveram desempenho acima das escolas convencionais.

Isso não é nenhuma surpresa. Imaginaram que aumentando as horas de aula, o aluno aprenderia mais. Uma besteira. Primeiro porque as escolas ainda não conseguem oferecer um ambiente tão prazeroso quanto deveria. E, em decorrência, os alunos estão chateados com as aulas. Gostam de escola, mas não gostam de aula. Baseado então nesse raciocínio, aumentar o número de aulas é… aumentar a chateação do aluno.

O próprio aumento do ano letivo para 200 dias não tem dado mostras de que o ensino melhorou (antes da atual LDB, de 1996, o ano letivo totalizava 180 dias). Mais dias em sala de aula não quer dizer absolutamente nada. E para dizer que não estou louco, resolvi procurar dados de outros países sobre essas questões. Não foi fácil. A única informação encontrada é datada de outubro de 2004. Os dados seguem tabulados abaixo:

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Fonte: Revista Nova Escola, out. 2004.

Eis a curiosidade: os países desenvolvidos, em geral, possuem anos letivos mais curtos. Não foi necessário, portanto, aumentar os dias de aula para ter melhores resultados. Por aqui, aumentar os dias letivos talvez até receba apoio popular, mas o resultado já sabemos qual é.

E por qual motivo está a coluna ‘salário’ bem aí? Pra mostrar que, se não muda imediatamente (e, de fato, não) a qualidade do ensino com melhores salários, pelo menos atrairia, para a sala de aula, especialistas em educação que estão militando em outras searas. Como jornalismo e política, por exemplo.

É isso.

O professor e seu salário

Depois de escrito o post de ontem, lembrei-me da entrevista dada pelo Sr. Ministro da Educação, Fernando Haddad, à Revista Veja, semanas atrás. Como em outras situações, o semanário duvida da eficiência de bons salários nos resultados educacionais.

E, infelizmente, a revista está certa.

Não há como negar: o salário do professor melhorando, esse mesmo ‘tio’ ofertará o de sempre, com muita boa vontade (sim, é preciso dizer. Muitos por aí acham – é serio – que os resultados educacionais assim estão por displicência docente. Há casos, claro, como em qualquer profissão; mas é preciso reconhecer o joio do trigo.).

E, felizmente, a revista está errada. Com melhores salários, a profissão seria mais disputada e, consequentemente, a qualidade do professor seria mais apurada. Como professor de cursinho pré-vestibular, já ouvi – e muitas vezes – o desejo de muitos vestibulandos em ingressar no magistério. O problema é que a carreira não é atrativa. Logo, os melhores alunos se estapeiam para entrar na medicina, engenharia e congêneres.

Enfim: pode não parecer, mas uma carreira atrativa tem poder de mudar o perfil docente, sim.

O olhar do professor

Como o professor vê a educação é a matéria de capa da revista Nova Escola desse mês. Em parceria com o IBOPE, quinhentos questionários foram aplicados em todas as capitais brasileiras. O resultado apresenta algumas contradições – e a reportagem as toma como fio condutor.

Dessas contradições, está o reconhecimento da qualidade dos cursos de formação inicial (64% consideram boa), ao mesmo tempo em que a metade dos entrevistados afirmam que não estão preparados para o trabalho pedagógico. É como se os médicos dissessem que são bem formados mas, ao mesmo tempo, reconhecessem que não estão preparados para clinicar.

Parte disso – é minha hipótese – decorre do pouquíssimo contato que os cursos de formação de professores mantêm com a escola. Quando há alguma relação, essa é profundamente hierárquica, do tipo “aqui, na universidade, nós produzimos saberes; aí vocês tem a missão de reproduzir”. E, se assim for pensada a educação, de fato a vulgarização do conhecimento correrá a largo.

A universidade não conhece, por experiência, a escola. Os professores universitários, grosso modo, não sabem como funciona a microespacialidade de uma aula do ensino fundamental e médio, com todas as suas variáveis. Tá, isso não é fundamental; mas, em muitas situações, o que a gente vê é a falta de experiência docente nesses níveis de ensino refletir em bobagens ou generalidades ditas continuamente.

O próprio caso da Nova Escola reflete o desconhecimento, por muitos especialistas, do que se passa nas instituições de ensino. Há um certo tom de surpresa, no decorrer da reportagem, em relação às respostas colhidas dos professores. Tivesse uma sintonia entre a revista e seu público alvo, não haveria motivos para tanto.

Nesse caso, o professor é o “Outro”. A revista não dialoga com os discursos docentes, mas com os especialistas. Há, nesse modelo, uma concepção entremeada em todas as frases da reportagem: quem deve pensar as políticas educacionais e o papel do professor não é o próprio. É o especialista. Exemplo maior não há: na mesma edição em que anuncia os ganhadores do prêmio nacional Victor Civita, a mesa redonda de análise do discurso do professor não consta nenhum representante da categoria. Sequer lembraram dos ganhadores do prêmio que, metaforicamente, representam o que há de melhor nas salas de aula brasileiras.

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Acertadamente, a reportagem toca em uma ferida aberta no educador do século XXI: a ausência da família na escola. Isso é um fato. E não se nega fatos, obviamente. Ora, resta saber, então, quais são as novas estratégias que a escola assumirá. Pelo menos o que está claro é que a escola, em seu modelo tradicional, está falida. Em um tempo não tão muito distante, quilos de livros apareciam para receituar prescrições infalíveis para sucesso em sala de aula. Essas fórmulas, pelo menos, estão descartadas. Aliás, as fórmulas, per si, ficaram desacreditadas, felizmente.