Ainda o plágio

Já expressei aqui minha opinião sobre o plágio. De lá pra cá, não mudei muito. Talvez por isso, dois fatos recentes foram suficientemente relevantes para ocupar minha cabeça com incômodas caraminholas. Segue a descrição dos acontecidos.

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Fato I.

Trabalhei desde 2005 com formação continuada de professores da rede pública. Dentre as atividades desenvolvidas estavam a capacitação de professores e o desenvolvimento de material didático instrucional.

Mudando recentemente de instituição, manti ainda vínculos de amizade com alguns colegas, o que permitia – e permite – troca de favores mútuos.

Numa dessas situações, recebi um pedido, vindo da Colega A, para revisar um módulo didático para um encontro destinado a capacitação de professores de Geografia. No e-mail, a observação:

Como estou no PAR e sempre viajando foi solicitado que (colega B) elaborasse o material da Formação Continuada. Assim, segue anexo o material para que você avalie e dê suas contribuições, até amanhã. Ok?

Pois bem.

Depois do primeiro olhar, fui acometido de uma forte sensação de “Já vi isso antes”. Com a ajuda do todo-poderoso Google, localizei dois textos: um estava no site da UNICAMP, outro, elaborado por professores da PUC-RJ, no site do MEC. Não havia nenhuma referência bibliográfica no texto em minhas mãos, indicando autoria exclusiva da Colega B.

Feita a constatação da descarada compilação, respondi o e-mail alertando para os riscos que esse procedimento ilegal poderia causar a instituição. Sugeri, ainda, dada proximidade do encontro, que o mesmo poderia ser realizado com o material já fornecido pelo MEC, dispensando, nesse caso, a necessidade de elaboração de material próprio. Colega A teve ciência da gravidade e devolveu, para correção, o material para a Colega B, com minhas observações. Uma semana depois, recebo da plagiadora o seguinte e-mail, acompanhado, em anexo, de uma nova versão do material (que, diga-se de passagem, mesmo sendo totalmente reformulado, ainda não se livrou dos mesmos vícios da prmeira versão do módulo):

Colega,

Encaminho em anexo o módulo reformulado.Lembrando que a reformulação aconteceu antes das observaçoes feitas por você, de forma desumana.

Quanto as considerações feitas,foram de total desapreço e desrespeito para com minha pessoa. Saber julgar é muito fácil,dar sugestões inovadoras é que é difícil. É preciso ter competência humana para se expressar. Ah! a sugestão do colega não tem nada de novo e criativo, como mesmo sugeriu as técnicas do prof. Álvaro dos Parâmetros em Ação, ou seja, cópia do material. Seria apropriado e conveniente que se dirigisse diretamente a mim. Que eu saiba nós somos da mesma categoria de profissionais.

Quanto ao material plagiado, não cometeria o erro de mantê-lo sem citar a autoria do mesmo.Quanto aos recortes, podemos observar quantos recortes foram feitos na Proposta Curricular do Ensino Médio, não havendo nenhuma punição.

Aguardo os apontamentos do Módulo.

Sem mais, _______ (Colega B).

Sim, dei-me o trabalho de respondê-la. Não com as palavras quentes que eu gostaria de ter usado…

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Fato 2.

Fulana de tal é membro da Academia de Letras da cidade onde morava – e que, como toda Academia de Letras, está lotada de gente que possui uma série de predicados, menos vocação literária. Solícita, participa ativamente da agitação cultural da cidade. Por ocasião do Dia Internacional da Mulher (edição 2008), recitou – e distribuiu a cada um dos presentes na repartição em que trabalhava – a seguinte poesia, supostamente de sua lavra:

mulher

Curioso, recorri mais uma vez ao Google. Estava lá: um dos mais plagiados poemas da internet brasileira (exemplos? Aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui. A verdadeira autora do poema, Fatima Aparecida Santos de Souza – codinome Perola Neggra, comentou sobre o plágio de seu poema aqui). Anexando o poema da escritora, enviei e-mail a um dos membros da Academia. Recebi resposta? Não. Camaradagem, corporativismo ou má-fé? Nunca saberei…

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Concluindo: o Google apadrinhando a patifaria

A comodidade proporcionada pelo Google aos preguiçosos de plantão tem proporcionado esses fatos regularmente. Botar o tico e o teco funcionando é entendido como falta de esperteza – já que o sabe-tudo lhe dá a obra pronta, com honras e elogios.

Essa história toda deixa a internet semelhante ao padrinho que, carinhoso com o afilhado, oferece-lhe muitas possibilidades de uma vida melhor e o fedelho opta por um caminho mais fácil, nem sempre observando minimamente o necessário respeito ao outro e as regras elementares de convivência em sociedade. O Google jamais pode ser considerado pai dos plágios, mas, com certeza, apadrinha milhares de patifes.

1 Comment

  • Leider Lincoln

    julho 5, 2008 at 12:53

    Honesto, justo, ácido e bem escrito como sempre. Parabéns, camarada…

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