Era médico, como o Roberson. Vivia nos dourados anos cinqüenta – que no interior de Goiás não eram tão glamourosos assim. Aos quarenta e cinco anos, Isaque contabilizava nove filhos. Como único médico da região, muito trabalhava – apesar da concorrência quase desleal das parteiras e curandeiros.
Sua casa não era muito luxuosa. Mas para os padrões da cidade, uma mansão. A moradia era bem localizada: de frente a praça matriz, local preferido da criançada para as brincadeiras.
De tardezinha, a molecada só parava a algazarra quando dona Ciana, a esposa do clínico, convidava toda a gurizada para se deliciarem com os açucarados nhoques acompanhados pelo suco de limão. E lá ia o bando – quase a metade sangue de Ciana.
Vez por outra, Isaque chegava junto com a dispersão dos coleguinhas de seus filhos. Ciana era danada de prevenida. Sabia que o marido chegava quase sempre cansado – e queria poupá-lo de inconvenientes. Depois dos quarenta, o marido começou a reclamar de leves enxaquecas após os expedientes – o que Ciana não conseguia entender, pois para ela médicos sempre deveriam estar com saúde.
Em um desses dias de forte dor de cabeça, coincidiu de entrar pela sala enquanto Ciana oferecia as saborosas quitandas aos moleques, sentados em torno de uma pequena mesa. Desabou no sofá, fechou os olhos, esfregou as mãos na têmpora, e assim ficou durante vários minutos.
Quando abriu os olhos, a criançada continuava sentada à mesa. Na bandeja de nhoques só havia farelinhos. Mas a jarra de suco ainda tinha o suficiente para encher meio copo. Levantou do sofá, parou próximo a mesa, encheu o copo e sorveu de um só gole o suco.
Arrumou um jeito de sentar perto da esposa. Frente a ambos, um dos meninos abaixou a cabeça assim que Isaque lhe firmou o olhar.
– Olha, menino – falou firme – já está tarde, está passando de hora de você ir para sua casa.
– Isaque – foi a resposta murmurada e surpresa da esposa – esse é o João Manoel, o nosso caçula!
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