O indivíduo, a sociedade e o meio ambiente

Algum tempo atrás, estava participando de um evento sobre educação ambiental, apresentada em seu já clássico viés, em que se privilegia a responsabilização do indivíduo pelos grandes problemas que afligem a sociedade humana do século XXI.

Em dado momento, a palestrante colocou-nos um exemplo simples, próximo de nosso cotidiano, do que podemos fazer para contribuir para um mundo melhor. Dizia ela que, em sua empresa, foi decidido que não mais usaria copos descartáveis no bebedouro, uma vez que o petróleo é um recurso finito e, dessa forma, poderíamos contribuir com um futuro mais justo para todos.

Enquanto isso, a maior parte dos funcionários fazia (ela inclusive), por quatro vezes, o trajeto de ida e volta ao trabalho em possantes automóveis.

Daí fica a questão: a apropriação do ‘politicamente correto’, do ‘bom mocismo’, sem nenhum tipo de reflexão séria sobre o problema ambiental, sempre irá produzir aberrações desse tipo.

Já escrevi aqui mesmo, lá no início do blog, e provocativamente, que o homem não polui o meio ambiente. E não é porque a mulher também polui, como algum engraçadinho poderia concluir; mais do que isso, é através da relação do ser humano com a natureza, mediatizado por uma determinada forma de organização social, que teremos o grau de interferência da sociedade na natureza.

Prova disso é que o mesmo homem consegue, em tempos e espaços diferentes, ter relações com a natureza em diversos graus de apropriação e intervenção. Englobar na entidade ‘homem’ um indígena no Alto Solimões e um madeireiro em Altamira é suficientemente contraditório para não nos exigir mais linhas de argumentação.

Se entendemos, por conseguinte, que a ação do ser humano é orientada por determinadas formas de organização social, colocam-se algumas dificuldades para a biologia na análise dos problemas ambientais. O homem deixa de ser uma espécie animal para assumir toda a complexidade do ‘ser social’.

E que de sociedade falamos hoje? Evidentemente, daquela que valoriza o lucro e incentiva o consumo desenfreado. Daí, é ‘natural’ que haja uma exploração da natureza como jamais vista e que se tenha uma gigantesca produção de lixo.

E como o indivíduo se encaixa nessa história toda? Diz Antonio Gramsci, importante intelectual italiano morto nos porões fascistas de Mussolini, que o indivíduo comum tem poder limitado de transformação social, o que concordamos integralmente. O mesmo não se pode dizer da associação dos indivíduos em determinada causa. Para Gramsci,

o indivíduo pode multiplicar-se por um número imponente de vezes e obter uma mudança bem mais radical do que à primeira vista pode parecer possível.’*

Aqui, e é por demais óbvio, a instância de decisão saltou do indivíduo para o coletivo. A decisão inicial é individual, mas a eficácia dos resultados passa por uma ação coletiva. Não basta uma decisão do indivíduo. O peso está no agir coletivo.

Não se tem dúvida, por outro lado, que os grandes problemas ambientais do século XXI partem de decisões corporativas. George Bush, ao não ratificar o Tratado de Kioto, abalizou sua decisão mais pelos interesses das grandes empresas estadunidenses do que por alguma especulação moral ou ética ambientalista.

Se são as empresas as maiores contribuintes para a poluição ambiental, há de se pensar como responsabilizar uma pessoa jurídica por uma desrespeito às normas morais instituídas na forma da lei. Apesar da impossibilidade de castigo físico, Rodriguo Alves da Silva demonstra que é juridicamente passível de ser responsabilizada uma empresa que causa distúrbio ambiental.

Ora, e a tão propagada Certificação ISO, os selos verdes, a responsabilidade ambiental de que tanto falam as empresas?

Certamente não é por bondade dos empresários, nem por que estão, primeiramente, interessados em um ambiente mais saudável. É lucro mesmo. É aceitação de seus produtos em mercados internacionais, sim.

E toda essa pressão social em torno daquilo que é ecologicamente saudável não seria possível sem a importante atuação de inúmeros movimentos ecológicos sérios que por aí existem.

Já nos ‘finalmentes’, abro parêntesis para generalizar e provocar:

Considerando ainda que os recursos naturais são apropriados de forma desigual, resta ainda saber se a instruída classe média está antenada ecologicamente porque se preocupa com o fim de seus privilégios – uma vez que seu desfrute consumista está em jogo – ou para atenuar o peso na consciência por terem clareza de que boa parte dos recursos naturais é gasto em seu deleite. Pode, eventualmente, ser consciência planetária, também.

Para concluir, um outro exemplo desses discursos histéricos se dá quando discutimos o uso da água. Forçam tanto a barra no alarmismo que, sinceramente, me sinto culpado por beber água. Só não paro de tomar banho…

* A citação foi retirada de ‘Obras Escolhidas’, edição da Martins Fontes, publicada em 1978.

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