Ele era tão pessimista que dava ao pessimismo outro nome: “realismo”. Ao contrário de todos os outros pessimistas que eu pude conhecer, ele não era um sujeito autodestrutivo, nem desejoso de que as coisas ficassem ainda piores. Vivia numa espécie de resignação quanto às desgraças que lhe ocorriam (como ocorrem com qualquer outra pessoa – ele não era nada especial). Combinava esse jeito estranho de ver a vida com uma singular melancolia: transformava as dores, as derrotas, os espinhos da vida, em algo mais fácil de conviver. E o que era melhor: não reclamava da vida.
Quando foi informado de um tumor no intestino – o que há muito já desconfiava – desenvolveu uma inusitada filosofia. Explicava que a melhor morte era aquela que a ele estava sendo aplicada: diferente de tantas outras pessoas, ele poderia se despedir da vida aos poucos. A dor era controlada por doses de morfina, e lembrava dos chineses que esqueciam de seus problemas no ópio. Não, ele não esquecia dos seus. Mas a letargia provocada pela morfina fazia mais agradável o seu adeus a esse mundo.
Dava-lhe certo prazer certificar-se da piedade de amigos ou do excesso de cuidado dos conhecidos. Era como se, a partir dali, fosse criada uma redoma com o intuito de bloquear qualquer sensação desagradável, como se a dor de sua doença fosse já a cota suficiente para qualquer humano suportar. Nada mais poderia lhe entristecer. Mas, qual, ele não estava triste! Entre cinismo e deboche sufocados, lá no fundo ficava pensando se era muito difícil as pessoas serem assim, tão prestativas, se não soubessem da sua morte anunciada.
E assim sua teoria de uma despedida feliz se converteu numa imperfeita cópia do que desejava. Não teve tempo de se despedir da vida como queria, porque seus amigos e conhecidos não mais o tratavam como um homem qualquer. Ele ansiava por outras dores: os personagens de contos de fadas que transformaram aqueles que o rodeavam não mais permitiram viver a vida na intensidade desejada. Desejava dores que morfina não ameniza.
E foi assim, pessimista com sua própria filosofia, que partiu desse mundo.
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