Sobre canções

Nossa vida tem uma trilha sonora. Por mais que gosto de Roy Orbison, não o ouço em qualquer ocasião. Penso que nosso estado de espírito exige, para cada momento, uma canção diferente. Não dá pra ouvir canções felizes e dançantes quando você está deprê, por exemplo.

Ramiro, o protagonista de “Todas as canções falam de mim” sabe bem o que isso significa. Depois de seis anos vivendo com Andrea, é obrigado agora a lidar com a ausência dela. Procura preencher o vazio com os amigos (que jamais o compreenderiam), com uma ou outra companhia feminina. Encontra mulheres mais lindas que Andrea, mais literárias (ele é apaixonado por livros – graduou-se em literatura – e Andrea é arquiteta).

Mas, poxa, não é Andrea.

O filme trata dessa difícil superação de um relacionamento que se acabou. Ramiro é a fotografia da melancolia. Passa noites olhando fotografias antigas, cartas e outros objetos que reativam a memória. Não sabe o que fazer com a ausência de Andrea. Para muitos, Ramiro é um estúpido. “Ora, com tantas mulheres nesse mundo, porque sofrer por uma?”.

A beleza de tudo está na sensibilidade de Ramiro: ele reconhece na intimidade vivida com Andrea a fonte de sua completude enquanto homem. E a intimidade, nesse caso, nada tem a ver com sexo; afinal, são muitas as mulheres que passam por sua cama depois de Andrea e ele não se ‘conecta’ a nenhuma delas.

O filme é pontuado por frases belíssimas. O que dizer de “Nada deprime mais uma pessoa apaixonada do que ser feito de idiota. O que significa, lembrar-lhes que estão num jogo. Embora a seriedade do jogo possa machucar para a vida toda”? E as canções? O narrador já adverte que, quando apaixonado, tendemos a gostar de canções que até então nos parecem ridículas. Mas lá estão elas, pra dar vazão ao desconforto acumulado…

As canções selecionadas (e os trechos de livros citados – Kundera e Pizarnik, sobretudo) são uma grandeza a parte.

“Cantarei o que quero/Calarei enquanto bebo./E se for para esquecer/ou para revelar secredos/melhor, melhor calar”.

Se posso me manifestar contra algo desse bonito filme, é o tal paradoxo da nostalgia:

“Quanto mais vasto o tempo que deixamos para trás, mais irresistível é a voz que nos convida ao retorno. Essa frase parece evidente, e no entanto é falsa. O homem envelhece, seu fim se aproxima, os instantes se tornam cada vez mais preciosos e ele não tem tempo a perder com suas lembranças.”

Como assim? Instantes preciosos? Não ter tempo a perder com lembranças? Há espaço para outra coisa mais sensata que não ter uma velhice vivida sob um hedonismo rasteiro? Tantos tempos acumulados pra serem jogados no lixo em função de uma nova experiência que se avizinha? Não, não e não.

Quando estiver velho, quero me afogar em lembranças.

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