A beleza de tudo está em um amor correspondido. É loucura pensar que um amor não-correspondido sobreviva ao tempo. Será?
Paixão e amor
Especialistas dizem que a paixão pode durar pouco mais de um ano. Paixão seria aquela coisa fugaz, momentânea, mas arrebatadora e fulminante. Com o tempo, se desfaria. O amor seria o que restasse (se restasse), perpetuando-se em amena forma.
Diferente da paixão, o amor seria racional, um projeto a longo prazo. Já o casamento, a expressão pura do amor, sua inexorável consequência. Anos de convivência, filhos, patrimônio, projetos juntos.
A paixão corresponde aquela chama que impulsionaria, no coração dos enamorados, a necessidade de se verem mais próximos e por tempo indeterminado. O impulso necessário para que o amor se instale, portanto. Parece loucura para muitos, porque o apaixonado vê no outro como seu. Coisifica-se o outro. É algo a se ter posse.
Verdadeiro amor
O verdadeiro amor (o Amor), entretanto, é a paixão prolongada, perene, duradoura. Você não sabe quando foi exatamente que nasceu, mas sabe que ele apenas morrerá quando a estrutura física que o mantém se findar.
Nisso, reciprocidade é inútil. Basta que alguém ame para existir amor. Se há reciprocidade, ok, beleza. Não há, entretanto, exigência de reciprocidade. Se o amor for Amor, ele viverá apesar do ambiente inóspito. O verdadeiro amor, o Amor, sobrevive a tudo – e nasce e se mantém apesar de tudo.
Manolete
No auge, o toureiro Manolete conhece Lupe, uma atriz de cabaré conhecida na alta sociedade espanhola. Ela será sua grande paixão, jamais convertida em amor. Segundo o El Mundo, Lupe era “a única alegria de Manolete”.
Como qualquer apaixonado, não se importa com o passado de Lupe . Não se importa com a condição de vida dela nesse momento – embora lhe cause arrepios, agora, qualquer mero flerte de Lupe com algum admirador. Como qualquer paixão, se estabelece de forma incondicional. Seus amigos são a voz da razão. Sabem que aquilo é loucura. Apelos em vão.
Manolete amava Lupe de tal maneira que dificilmente ela o entenderia. Ela se sentia aprisionada. “Não sou um canário na gaiola”. O verdadeiro Amor sufoca. Não concede liberdade ao outro. Agiganta o sentimento de posse.
A história de Adele H.
O tenente Albert Pison, da cavalaria Britânica, teve um breve relacionamento com a filha de Victor Hugo, Adele Hugo. Adele atravessou o Atlãntico atrás do que foi o seu grande amor. Pison, que havia conversado sobre casamento, perdera o interesse em Adele.
Adele tinha consciência que o amor, esse banalzinho que está aí na boca da maioria, nasce e morre um dia. Já o Amor, não. Em prantos, diz ao indiferente Pison que não se importaria em não ser amada; bastaria que ele a permitisse amá-lo.
A paixão, nessa intensidade, exige muita resistência psíquica. Adele sucumbiu. Acabou louca. Embora, no final do filme, Pison e Adele se cruzam sem nenhum reconhecimento por parte dela, isso seria facilmente explicado mesmo se ela estivesse em lucidez. Afinal, depois de anos, Adele não era mais Adele, assim como Pison não era mais Pison.
Ali houve uma total dessincronização tempo/espaço. Mesmo assim, Adele se manteve fiel a seu grande amor. Não era sua opção, entretanto. O Amor não permite escolhas.
Sincronia tempo/espaço
Para muitos, o Amor morre quando, na verdade, ele permanece vivo. Se torna mais abstrato, fato. Não há materialidade mais. Aquela superposição tempo/espaço que possibilitou, por alguns instantes, a reciprocidade, pode apenas ser entendida como a fase ‘confortável’ do Amor. Ele haverá de existir apesar disso. Sobreviverá a morte física do outro. Sobreviverá a morte não-fisica do outro, manifestada no desvio irreconciliável desse para outros braços, outras bocas, outros corações. São duas mortes perpétuas, mas não do Amor. O Amor viverá. Quem o sente testemunhará sua existência para sempre.
A intensidade do amor
Já li em algum lugar que o Amor, assim, com maiúscula mesmo, é tão imenso que mesmo se as pessoas desaparecerem essa energia ficará guardada em algum lugar no universo. É possível. Amor (o Amor) suporta décadas. Suporta indiferença do outro. Se fecha em solidão, se for o caso. Mas morre naquele em que foi gerado apenas por ocasião de sua morte física.
Amor assim não se vê em muita parte.
É loucura para a maioria.
Nesses termos, apenas os loucos sabem o que é o Amor de fato. Doação extrema. Entrega extrema.
Para o amante, é difícil sequer admitir que o outro possa ter gostos diferentes.
Ciúme é apenas efeito colateral, uma espécie de prova da intensidade do Amor – que gera tanta posse.Porque se sente integrado ao outro. Quer se vestir no outro. Se sentir no outro. Se ver no outro.
O desaparecimento do outro – por morte ou desistência – não é capaz de fazer minguar ou extinguir o verdadeiro Amor. A “ausência” jamais poderá ser preenchida.
Ser encontrado pelo Amor é uma benção, mas também uma maldição. Há mais ausências que presenças nessa história. Por isso é tão único, tão singular, tão excepcional. Depois de ter sido a ele revelado, sua vida jamais será a mesma.