Vida

Viver é uma coisa muito, muito difícil.

Você tem alguma facilidade?

Sei lá, foi abençoada pela natureza com beleza, ou com uma inteligência específica?

Sabe alguns conceitos importantes da física quântica ou da mecânica clássica?

Sabe alguma sacada genial daquele autor genial da antropologia que, a cada frase, ,mil compartilhamentos aparecem no face?

Tem franqueza quando alguém, do seu lado, fala sobre trigonometria?

Sua voz ecoa soberana quando alguns acordes brotam -mesmo que em sua mente – de alguma canção delicada sobre sentimentos que apenas alguns conseguem experienciar?

Pinta emoções em óleo ou em variações de cinza a cada variação que a vida lhe tras?

Não?

Nada disso?

Sim, nossa existência será justificada pela cinza fértil que abundaremos no solo quando, muitas horas depois, nosso coração der seu último sinal de vida.,

Alegre-se.

Essa é nossa função.

Cada centímetro de grama fertilizando a terra…

Essa é nossas função.

Somos responsáveis pela fertilização do mundo.

À Morte

Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.

 

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

 

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

 

Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera… quebra-me o encanto!

Florbela Espanca, poetisa portuguesa

Amor

A beleza de tudo está em um amor correspondido. É loucura pensar que um amor não-correspondido sobreviva ao tempo. Será?

Paixão e amor

Especialistas dizem que a paixão pode durar pouco mais de um ano. Paixão seria aquela coisa fugaz, momentânea, mas arrebatadora e fulminante. Com o tempo, se desfaria. O amor seria o que restasse (se restasse), perpetuando-se em amena forma.

Diferente da paixão, o amor seria racional, um projeto a longo prazo. Já o casamento, a expressão pura do amor, sua inexorável consequência. Anos de convivência, filhos, patrimônio, projetos juntos.

A paixão corresponde aquela chama que impulsionaria, no coração dos enamorados, a necessidade de se verem mais próximos e por tempo indeterminado. O impulso necessário para que o amor se instale, portanto. Parece loucura para muitos, porque o apaixonado vê no outro como seu. Coisifica-se o outro. É algo a se ter posse.

Verdadeiro amor

O verdadeiro amor (o Amor), entretanto, é a paixão prolongada, perene, duradoura. Você não sabe quando foi exatamente que nasceu, mas sabe que ele apenas morrerá quando a estrutura física que o mantém se findar.

Nisso, reciprocidade é inútil. Basta que alguém ame para existir amor. Se há reciprocidade, ok, beleza. Não há, entretanto, exigência de reciprocidade. Se o amor for Amor, ele viverá apesar do ambiente inóspito. O verdadeiro amor, o Amor, sobrevive a tudo – e nasce e se mantém apesar de tudo.

Manolete

No auge, o toureiro Manolete conhece Lupe, uma atriz de cabaré conhecida na alta sociedade espanhola. Ela será sua grande paixão, jamais convertida em amor. Segundo o El Mundo, Lupe era “a única alegria de Manolete”.

Como qualquer apaixonado, não se importa com o passado de Lupe . Não se importa com a condição de vida dela nesse momento – embora lhe cause arrepios, agora, qualquer mero flerte de Lupe com algum admirador. Como qualquer paixão, se estabelece de forma incondicional. Seus amigos são a voz da razão. Sabem que aquilo é loucura. Apelos em vão.

Manolete amava Lupe de tal maneira que dificilmente ela o entenderia. Ela se sentia aprisionada. “Não sou um canário na gaiola”. O verdadeiro Amor sufoca. Não concede liberdade ao outro. Agiganta o sentimento de posse.

A história de Adele H.

O tenente Albert Pison, da cavalaria Britânica, teve um breve relacionamento com a filha de Victor Hugo, Adele Hugo. Adele atravessou o Atlãntico atrás do que foi o seu grande amor. Pison, que havia conversado sobre casamento, perdera o interesse em Adele.

Adele tinha consciência que o amor, esse banalzinho que está aí na boca da maioria, nasce e morre um dia. Já o Amor, não. Em prantos, diz ao indiferente Pison que não se importaria em não ser amada; bastaria que ele a permitisse amá-lo.

A paixão, nessa intensidade, exige muita resistência psíquica. Adele sucumbiu. Acabou louca. Embora, no final do filme, Pison e Adele se cruzam sem nenhum reconhecimento por parte dela, isso seria facilmente explicado mesmo se ela estivesse em lucidez. Afinal, depois de anos, Adele não era mais Adele, assim como Pison não era mais Pison.

Ali houve uma total dessincronização tempo/espaço. Mesmo assim, Adele se manteve fiel a seu grande amor. Não era sua opção, entretanto. O Amor não permite escolhas.

Sincronia tempo/espaço

Para muitos, o Amor morre quando, na verdade, ele permanece vivo. Se torna mais abstrato, fato. Não há materialidade mais. Aquela superposição tempo/espaço que possibilitou, por alguns instantes, a reciprocidade, pode apenas ser entendida como a fase ‘confortável’ do Amor. Ele haverá de existir apesar disso. Sobreviverá a morte física do outro. Sobreviverá a morte não-fisica do outro, manifestada no desvio irreconciliável desse para outros braços, outras bocas, outros corações. São duas mortes perpétuas, mas não do Amor. O Amor viverá. Quem o sente testemunhará sua existência para sempre.

A intensidade do amor

Já li em algum lugar que o Amor, assim, com maiúscula mesmo, é tão imenso que mesmo se as pessoas desaparecerem essa energia ficará guardada em algum lugar no universo. É possível. Amor (o Amor) suporta décadas. Suporta indiferença do outro. Se fecha em solidão, se for o caso. Mas morre naquele em que foi gerado apenas por ocasião de sua morte física.

Amor assim não se vê em muita parte.

É loucura para a maioria.

Nesses termos, apenas os loucos sabem o que é o Amor de fato. Doação extrema. Entrega extrema.

Para o amante, é difícil sequer admitir que o outro possa ter gostos diferentes.

Ciúme é apenas efeito colateral, uma espécie de prova da intensidade do Amor – que gera tanta posse.Porque se sente integrado ao outro. Quer se vestir no outro. Se sentir no outro. Se ver no outro.

O desaparecimento do outro – por morte ou desistência – não é capaz de fazer minguar ou extinguir o verdadeiro Amor. A “ausência” jamais poderá ser preenchida.

Ser encontrado pelo Amor é uma benção, mas também uma maldição. Há mais ausências que presenças nessa história. Por isso é tão único, tão singular, tão excepcional. Depois de ter sido a ele revelado, sua vida jamais será a mesma.

Zumbi

O garoto tinha doce no coração. A realidade proporcionou condições adequadas para que sua doçura azedasse. O amargo apodreceu as paredes de seu coração. Foi o primeiro caso de morto vivo reconhecido pela ciência. Condenado à tristeza da velhice vegetativa ainda na juventude, pôs-se a vagar pelo mundo, com o olhar pálido de quem nada mais espera da vida.

Repeat, repeat, repeat

De mais ninguém
Marisa Monte e Arnaldo Antunes, disco “Verde anil amarelo cor-de-rosa e carvão” (1994)

Se ela me deixou, a dor
É minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó,
Eu tenho a minha dor

Se ela preferiu ficar sozinha,
Ou já tem um outro bem.
Se ela me deixou a dor é minha,
A dor é de quem tem.

É meu troféu, é o que restou,
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor,
Eu tenho a minha dor.

A sala, o quarto, a casa está vazia,
A cozinha, o corredor
Se nos meus braços ela não se aninha,
A dor é minha.

É o meu lençol, é o cobertor,
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor
Eu tenho a minha dor

Vida feliz

Plantar uma árvore, ter filhos, escrever livros. Essa tríade parece ser o que melhor se produziu no senso comum para definição de uma vida feliz, cheia de propósitos.

Eu ainda não plantei árvore, não tive filho, não escrevi livro.

A certeza de ser amado como amo, porém, me faz ver que a vida já se mostrou em todo seu potencial a mim e que dela não careço mais de nenhuma benevolência.

Se morresse agora, eu morreria feliz.

Vazio

Existem vazios que, quando descobertos e plenamente percebidos, tornam-se ainda maiores, mais incômodos e progressivamente mais sufocantes.

O casamento do século

Super homem e mulher maravilha cruzam o céu em um romance astral. Boa parte da humanidade se dobra em fascínio; a outra parte, vive o caos.

Prefiro…

… ser um louco delirante a um homem do coração gélido.

Ruínas

Ele era apaixonado por vestígios de vida. Procurava sentir as paredes antigas impregnadas do viver passado… Quantas alegrias, quantos sonhos, quantas amarguras… O viver humano condensado em memórias impressas nas paredes mortas, símbolo restante da pujante vida outrora existente.

Trinta anos depois, sua memória não tem o poder mágico de reviver as sensações vividas. As recordações não reconfortam, cortam. Elas preenchem de melancolia onde deveria haver apenas satisfação por tanta felicidade experienciada.

Ter memória pode ser um castigo.