O gato

Era tratado como homem, mas não era homem.

~*~

O gato vivia por ali, manhoso. A esposa o amava, os filhos também. O marido o tratava com leniência. Tolerava-o, porque percebia que alegrava a casa. Achava, porém, que a esposa e os filhos gastavam muito tempo com o felino. Todavia, era discreto em seu crescente azedume.

~*~

Havia pouco tempo que tinha sido achado. Estranhamente, o gato parecia mais feliz quando não era bem cuidado. Às vezes, sem motivo aparente algum, se escondia atrás da porta. Se punha entre os de casa, chamando a atenção, mas ao menor sinal de que estava ‘sobrando’ por ali, se acabrunhava e fugia pra algum canto. Gato estranho.

~*~

Aquele gato sabia das coisas. Era parecido gente. Ficava em estado constante de vigilância. Tinha ciumes. Percebia quando era indesejado.

~*~

Certa vez, o gato teve um pesadelo. Sonhou que era segurado pelas costas por uma mão firme, enquanto a outra mão manejava um porrete que fazia uma parábola em direção a sua cabeça.

~*~

Depois do pesadelo, o gato achou melhor não frequentar a casa. Não achava meios de voltar à rua, seu antigo lar. Ficava por ali, no terreiro, olhando de soslaio. Quando as luzes se apagavam, ainda era possível escutar, de longe, o triste ronronado, misturado aos roncos e demais ruídos noturnos.

~*~

As crianças mal perceberam a mudança no comportamento do gato. Os adultos, sim. A esposa não quis demonstrar descontentamento, porque sabia a verdadeira opinião do marido sobre a concorrência de atenção em casa. E ele, o marido, já havia pensado, secretamente, em resolver a situação daquele gato atrevido e ousado, se não tivesse feito de lar o terreiro: um porrete em movimento de parábola.

~*~

Gato sortudo: foi avisado por um pesadelo.

No Comments

Post a Comment