Lusitanidade

Na época do ensino médio descobri Fernando Pessoa. Apaixonei. Na faculdade, esbarrei com Florbela Espanca. Fui atraído pelo nome; ninguém do meu círculo a conhecia. Um acaso do destino.

O acaso do destino (mais uma curiosidade sem tamanho por poesia d’além mar) me fez encontrar Ary dos Santos. É conhecido em Portugal como o “poeta do povo”. O primeiro poema que li e fiquei boquiaberto foi “Desespero”. Intenso, forte, lacinante. O poema está no livro “A Liturgia do Sangue”, publicado em 1963.

Uma outra boa amostra da poesia de Ary dos Santos está no “Soneto de Mal Amar”, publicado em “O sangue das palavras” (sim, outro título que diz muito sobre a intensidade visceral de sua escrita). Segue:

Soneto de Mal Amar

 

Invento-te recordo-te distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.

 

A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.

 

E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.

 

Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.

Não há outra opção a não ser, em perplexidade, o sentir a textura, acidez, doçura e violência dos sentidos tão bem acomodados em palavras.

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