Así? Soy contra…

Queria apenas um livrinho de entretenimento para passar o final de semana. Lembrei-me d’Os Reis Malditos, de Maurice Druon, escritor francês que usou seis volumes para traçar um excelente painel dos alcoviteiros palacianos parisienses do seculo XIV, e que, lidos na adolescência, pouca recordação me traz hoje – a não ser pelo fato de que anunciava para todos os colegas como a melhor série já escrita por aí. Perto da coleção de Druon, ainda na estante de literatura francesa, encontro o até entao não lido O último dos Medicis, de Domenique Fernandez – e deixo meu querido Maurice para uma próxima vez. Domenique, homossexual assumido, tem certa freqüência em usar protagonistas gays históricos. Assim foi em Tribunal de Honra e A corrida para o abismo, retratando, respectivamente, a vida do compositor russo Tchaikovski e do pintor italiano Caravaggio, respectivamente. Por pré-conceito, poderíamos imaginar que os personagens de Fernandez assumissem uma postura heróica, valente, próxima dos valores comumente identificados pelo conceito de dignidade. Ilusão, porém. Se há alguma benevolência por parte do autor em relação ao personagem gay, fica circunscrito a capacidade longeva de contrariar as mínimas regras sociais em voga. O caso de Gian Gastogne, o último mandatário representante da poderosa família dos Medicis, e grão-duque de Florença na transição dos séculos XVI/XVII, é exemplar. Narrado em primeira pessoa, prática corrente do autor francês (e usando, sempre, um personagem contemporâneo aos fatos), nas páginas centrais do livro nos é apresentado sua homossexualidade aos olhos do narrador e, em seguida, ao pai:

Por que Gian Gastone não tinha escolhido um jovem senhor da corte, onde esses costumes eram, senão honrosos, pelo menos aceitos com uma neutralidade benevolente? (…) Mas esse africano bastardo? Um tipo de última categoria, que condenava Gian Gastone aos encontros furtivos, um mestiço, bom apenas para o prazer clandestino.” (p. 118)

“(…)
– Meu pai, eu não me casarei.
Colérico, o grão-duque ficou vermelho. Não sabia eu como o rapaz poderia justificar-se quando, de improviso, declarou – e, por mais habituado que eu fosse à independência de sua linguagem, a seus arrebatamentos, a seus desaforos, fui tomado de surpresa por um descaramento tão formidável:
– Não me casarei, meu pai, porque… (ele próprio, hesitando antes de soltar a palavra fatal, tinha enrubescido) porque… vós vedes diante de vós… um homossexual!

(…) Eu achava o filho atrevido; a audácia do pai me derrubou. (…) Ele avançou até Gian Gastone e apertou-o em seus braços (…):
– Um homossexual!… Até que enfim!… (…) Eu mesmo, sem me vangloriar, algum favorito de cama, aqui e ali, eu nunca neguei. Nem teu irmão, parece!
– Vós, meu pai, o mais intratável defensor da religião romana! Raciocinar nem mais nem menos que um pagão!
– Filho devoto da Igreja, sou primeiro um Médicis!
– A igreja vos condenaria se…
– O que é proibido aos pobres, aos obscuros, continua permitido aos ricos e poderosos.
” (p. 131-132 ).

Sim, como se vê, o pai carola e austero concorda genuinamente com a posição do filho. Daí ate o final do livro, Gian Gastogne mergulha em um profundo sentimento autodestrutivo, que o leva, claro, ao opróbrio. O raciocinio do personagem é algo mais ou menos aproximado da frase atribuída a Groucho Marx (“ Eu nunca gostaria de pertencer a qualquer clube que aceitasse uma pessoa como eu como membro”). Um libertarianismo às últimas consequências, portanto. As cenas finais são de textura desagradável, nojentas até. Pela excelente construção literária de Fernandez, porém, não dá pra largar o livro. Se é certo que dificilmente torceremos por esse anti-herói, por outro lado dificilmente desgrudaremos da leitura do livro, até a última frase.

1 Comment

  • Jens

    setembro 18, 2007 at 19:16

    Oi Juliano.
    Bom tê-lo (tê-lo? que língua a nossa!) de volta. Bela resenha. A reação do pai foi surpreendente, a mostrar que nem tudo o que parece é – o inusitado nos acompanha a cada passo.
    Um abraço.

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