Tu errou, prof!

Estou completando oito anos de minha primeira entrada em sala de aula como professor. Tem sido uma longa jornada. Permite-me, com algum ar de galhofa, dizer que possuo notória experiência. E, também, que coleciono muitas histórias boas – outras nem tanto. Os episódios mais traumáticos coincidiram, claro, com os primeiros passos, diminuindo em função da aprendizagem docente.

Um  scrap no orkut, hoje, avisando que minha rede social aumenta um número, lembrou-me de um dos últimos – e talvez o maior – erros que cometi enquanto professor. Segue o relato.

2004, em uma escola confessional do interior do Tocantins

Aproximava o final do ano letivo. As provas haviam sido aplicadas e, para aqueles alunos que não conseguiram a média bimestral, restava uma oportunidade (dos alunos ganharem nota e do professor deixar fluir toda sua neura sadô): a argüição.

Para controlar a disciplina da sala – já que a atividade envolvia apenas alguns alunos – combinava com a turma que todos, indistintamente, somavam um ponto de participação. O comportamento na sala, durante a avaliação oral, é que diria se esse ponto seria intelgramente recebido pelo aluno ou não. Dessa forma, qualquer anormalidade (conversa, principalmente), era punida com a perda de um décimo (hhhuummm… “surveiller et punir“, hein?).

Esse era o combinado desde o início do ano e realizado duas vezes por semestre. Tudo ia, assim, dando certo (!),  até quando…

A turma

Das dez turmas que eu tinha no colégio, aquela era uma turma especial. Especialmente porque tenho uma queda por dois perfis de aluno: os metralhadores (inteligentes e que gostam de mostrar que são) e os piadistas (que interrompem a aula, a qualquer hora, com uma tirada ou piada engraçada). E essa era uma turma repleta de alunos que possuíam os dois perfis.

Ao gostar muito deles, eu também queria, sempre, mostrar minhas melhores qualidades (ou pelo menos aquelas que eu gostaria que fossem…), numa tentativa de alimentar sentimentos mútuos. Como libriano, procurava sempre exercitar meu senso de justiça. Mas isso não bastava: era necessário informá-los, rotineiramente, dessa minha virtude. 🙂

A aluna

Letícia. Era uma das mais inteligentes da sala. Não… corrijo. Era uma das mais inteligentes da escola. Sério. Sua avaliação era sempre corrigida primeiro, naquele instante em que, por não estar cansado de ler tanta bobagem, a gente sente prazer em ser professor, em ver o resultado positivo de uma sequencia de aulas. Em se tratando de prova de Letícia, nunca havia decepção. Nas provas dissertativas, a garotinha escrevia exatamente aquilo que o professor gostaria de ler. Além disso – e é bom dizer – era uma menina de refinada educação.

Um espetáculo, enfim.

A bobagem

Pois bem. A aula corria tranquilamente. A normalidade, ali, era a maioria dos alunos obterem a totalidade dos pontos de participação. Era. Até que…

Uma voz ecoa, sussurrada, pela sala. Era Letícia conversando com um colega. Os alunos se voltam para o “justíssimo professor”, duvidando que houvesse algum tipo de punição. Como se dissessem: “é a queridinha do professor…“. Com ar de gravidade, eu chamo seu nome e assinalo na lista de participação. Foi o único bimestre que ela não ficou com 10. Por dentro, eu me sentia um bobo, um primata autoritário que não sabe utilizar o mínimo de bom senso. (aliás, “nota de participação” já é uma coisa, em si, muito problemática. Maiores esclarecimentos aqui.)

A repercussão

A galera do olé parece que gostou do tratamento igualitário que, naquele momento, ficou representado. Letícia não. Não via razão em ter sua nota diminuída. Não achava justo porque não havia atrapalhado a arguição. E – caraca! – as lágrimas saíram. Não era um choro suave, desses que a gente libera quando o Brasil perde a copa. Era daqueles terríveis, como se a gente tivesse perdido alguém querido. Provavelmente não dei sinal do enorme constrangimento sentido. Nem do absurdo peso na consciência. E o sinal bate. E o ano termina. E ela muda de escola. Eu também. Eu mudo de cidade, de estado, enfim, história acabada.

Até que o orkut aparece. E concede-me a chance de exorcizar o erro. Assim, dessa forma, soltando apressadamente as letras e, certamente, a cada frase me sentindo mais leve por não ter deixado nenhum trauma na guria. 😉

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