Direitos humanos

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Via Tribuna da Imprensa.

Update: abaixo, texto do senador Cristovam Buarque publicado hoje no Correio Braziliense.  Grifos meus ;P

Algemas mentais

Nenhum dos advogados que criticou o uso de algemas em suspeitos ricos denuncia a falta do serviço de educação para os pobres. A Constituição garante o direito à educação, o poder público se omite e a criança permanece analfabeta até a idade adulta, mas esse fato continua invisível à Justiça.

Só agora, no século 21, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a polícia não pode constranger um cidadão, colocando-lhe algemas desnecessariamente. A demora não foi por maldade dos juízes. Eles simplesmente não tinham notado ainda a existência das algemas no cenário policial brasileiro. Elas eram invisíveis nos pulsos de centenas de presos que aparecem todas as noites no noticiário. Foram necessários 400 anos de correntes de ferro maltratando escravos, durante a Colônia e o Império, e 120 anos de República, para que os juízes brasileiros percebessem as algemas que estavam nos punhos de pobres sem bermuda, sem camisa, inclusive nas últimas décadas, nas telas da televisão, quase todos os dias.

O atraso na percepção não decorre apenas da falta de sensibilidade que caracteriza a elite brasileira, mas também do fato de que, na nossa lógica jurídica, os juízes só vêem o que é mostrado sob a óptica e o argumento de advogados. Temos uma parte da população invisível aos olhos da elite, inclusive parlamentares, juízes, políticos, professores universitários. Não temos Justiça, temos um marco legal. E ele depende da capacidade dos advogados que representam os réus.

Quando a ilegalidade é cometida contra quem paga um bom advogado, os juízes do Supremo tomam a decisão e, democraticamente, determinam que o benefício da legalidade se amplie para toda a população. A Justiça não é discriminatória contra os pobres, simplesmente eles são invisíveis para ela. Os olhos vendados da deusa da Justiça só percebem parte da realidade, aquela que chega a eles pelos argumentos dos bons advogados, representando a parte rica da sociedade que pode pagar altos honorários.

Foi preciso que a Polícia Federal usasse algemas em suspeitos ricos e bem-vestidos, e que seus advogados protestassem, para que elas fossem percebidas e abolidas tanto nos ricos quanto nos pobres. Sorte do pobre, quando seu julgamento coincide com o processo contra um rico pela mesma causa.

Não ser atendido e morrer na porta de um hospital, por falta de dinheiro ou de seguro médico, não é ilegal; portanto, a Justiça brasileira não vê, nem age. Até que um rico brasileiro morra na porta de um hospital e um bom advogado entre com processo pedindo indenização para seus herdeiros. Só assim, será possível que a Justiça se pronuncie considerando ilegal a omissão de socorro, tanto para o rico que provocou o assunto, quanto para os pobres que, democraticamente, receberiam os benefícios das legalidades. Não por justiça, mas porque o fato ficou visível e adquiriu lógica legal. Sem o advogado e seus argumentos bem convincentes, o morto na porta de um hospital é um ente invisível, seja ele rico, seja pobre.

Na saúde se passou algo parecido no país. Foi quando uma epidemia de poliomielite assolou sem discriminação de classe social as crianças no Paraná, nos anos 70; quando os autoritários dirigentes militares viram o que os civis democratas nunca tinham percebido. Iniciaram então a mais ampla campanha de erradicação da poliomielite já feita no mundo. O Brasil também é exemplo mundial no atendimento público aos portadores de HIV, porque o vírus não escolhe classe social. As doenças dos pobres só são vistas quando também atingem os ricos.

Por isso, não há um programa radical para a erradicação do analfabetismo, nem para que todos os brasileiros, independentemente da classe social, cheguem ao fim do ensino médio em escolas de alta qualidade. A falta de escola é um problema dos pobres, não é visto pela Justiça nem representado pelos advogados. A algema mental continua sendo permitida pela omissão dos governantes. É a pior de todas as algemas — porque é invisível, tira a liberdade que vem do conhecimento e dura décadas —, e só atinge os pobres. Os juízes não têm forma de perceber a injustiça porque o assunto não chega a eles.

Nenhum dos advogados que criticou o uso de algemas em suspeitos ricos denuncia a falta do serviço de educação para os pobres. A Constituição garante o direito à educação, o poder público se omite e a criança permanece analfabeta até a idade adulta, mas esse fato continua invisível à Justiça.

Está na hora de um bom advogado entrar no Supremo pedindo indenização em nome de alguém mantido algemado pela omissão do poder público que não lhe garantiu educação. Talvez então se junte ao habeas corpus para os ricos o habeas mens para os pobres; pois libertar a mente é tão importante quanto libertar o preso.

Faltou algo? 🙂

4 Comments

  • Edk

    agosto 24, 2008 at 18:23

    Faltou sim.
    Em primeiro lugar o eterno preconceito elitista e simplista de que alguém só é criminoso pq não recebeu educação. Sim, a educação é dos diversos fatores, o mais importante,mas não o único. Não passa pela minha cabeça que Daniel Dantas não tenha tido boa educação ou que Suzane Von Richthofen tb não tenha tido (ela fala até alemão) ou mesmo que os Nardoni não tenham sido educados em boas e CARAS escolas.

    E agora a verdade que não pode ser furtada à discussão: só critica as algemas quem nunca viu o perigo da violência de perto. Eu sou policial há quase seis anos (entre Polícia Civil e Federal). Eu vi a escória da humanidade escorrendo das mentes pobres e ricas. Eu vi o que um cara drogado (não me parece que o problema das drogas atinja só os pobres) pode fazer contra as pessoas, contra si próprio e contra policiais. Eu vi o que acontece com as pessoas que se desesperam diante da prisão iminente, o que acontece com elas é imprevisível. Eu vi espancamentos, pessoas trucidadas, distorcidas, esfaqueadas, baleadas, eu vi pessoas chorarem e se desesperarem diante da violência nua e crua e sua face mais cruel e mortífera. Tb presenciei riquinhos desesperados quando a máscara definitivamente cai.

    O que quero dizer é: as algemas são uma proteção tanto para o policial quanto para a própria pessoa que pode enlouquecer, sacar a arma do policial e matar-se ou ferir alguém (acredite, acontece mais frequentemente do que se imagina).

    Há a espetacularização? Sim e que seja punida. Há o constrangimento? Sim e que seja evitado. O que deve ser lembrado é que dificilmente quem não merece é preso. Se está algemado pressupõe-se que algo deve ter feito. Meu pai, meu avô e minha avó, exemplos para mim, por exemplo, nunca foram algemados. Eles não tem problemas com algemas, ao contrário dos amigos escusos do Presidente da mais alta corte do Brasil.

    A propósito, sou mesmo até contra o sistema prisional como ele é hj (fiz até trabalho na faculdade de jornalismo sobre isto), mas se é assim, que assim seja.

    Apenas um país atrasado como o Brasil se discute as algemas e não o motivo delas. Quando algum togado que passa o dia com a bunda em uma cadeira numa sala com ar-condicionado e ganha muito pra isso “ver” e “sentir” a violência de perto, eles vão mudar de idéia.

    As outras críticas à Justiça são válidas, embora demagógicas vindo de quem vem.

    Depois o Judiciário Brasileiro (nova vergonha nacional) não sabe pq a população os considera tão negativamente (só ganhando do Congresso, pq perder tb seria demais). Enquanto isso, a Polícia Federal na mesma pesquisa é a instituição em que os brasileiros mais confiam 🙂

    link: http://acertodecontas.blog.br/atualidades/populacao-confia-mais-na-policia-federal-do-que-na-justica-e-nos-juizes/

    Abs.

  • Edk

    agosto 24, 2008 at 18:44

    link do UOL (paea assinantes) do Artigo de Dalmo de Abreu Dallari sobre a nomeação do nosso “ministro” Gilmar Mendes: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0805200209.htm

    Desnecessário dizer que Gilmar Mendes tentou processar Dallari (sem sucesso, afinal ele AINDA não era o presidente do STF).

    Lembrando tb que Mendes mandou o Juiz Federal de Sanctis para o CNJ por uma interpretação jurídica. Juristas me ajudem, pois é desnecessário dizer que isso é um absurdo. Além de ter criticado a pessoa e as intenções do Juiz Federal.

    Do artigo de Dallari:
    “Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”

    “Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público -do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.”

    “Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.”

    “Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito”

    Faço minhas as palavras finais do artigo: “É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.”

    É a esse homem que soltou Dantas é que o STF está entregue. (Sem lembrar que o STF tb mandou soltar o Cacciola que acabou se mandando e atrasou em anos o processo no Brasil)

    Eu ADORO o Judiciário brasileiro! AMO! Representa de forma grande, superlativa o nosso atraso, a nossa decadência, a nossa ruína e como marchamos de forma organizada e inexoravelmente para uma derrota completa diante da corrupção, da roubalheira, da criminalidade violenta, da criminalidade sutil (engravatada) e do caos urbando e social.

  • Cidadão Comum

    outubro 30, 2008 at 14:30

    PREMISSA BÁSICA: o Policial deve ser o profissional com a maior remuneração entre todas as profissões do mercado de trabalho, pelo menos no que se refere ao funcionalismo público.
    JUSTIFICATIVA: entre as mais variadas profissões, a única delas em que o sujeito arrisca sua própria vida em prol da vida de seu semelhante é a do POLICIAL (ainda mais nos dias de hoje com o crescimento vertiginoso dos índices de violência nas grandes cidades e em todo o mundo).
    E os bombeiros? Os bombeiros, não menos importantes na estrutura social, enfrentam o fogo e outros sinistros, mas, via de regra, não se deparam com situações de confronto com bandidos. Já o policial, ao contrário, além de conviver rotineiramente com situações de confronto, por vezes, apaga fogo e salva vítimas de sinistro.
    Como se não bastasse as armas sofisticadas dos bandidos e o desprestígio social, o policial tem que enfrentar ainda uma gama enorme de “colarinhos brancos” (para não dizer abutres vorazes), cuja função, em um ambiente com ar-condicionado e outras mordomias, é, entre outras, exatamente a de flagrar erros policiais para gritar aos quatro cantos (em praça pública ou para os seus discípulos nas universidades) que “peitou” a polícia, contribuiu com os direitos humanos e pôs um ditador atrás das grades, ou coisa que o valha.
    Não resta dúvida de que há profissões de enormes responsabilidades e de extrema relevância para a vida cotidiana, como, por exemplo, a de lixeiro, mas nenhum caso é semelhante ao do POLICIAL.
    O médico tem um papel fundamental na sociedade, especialmente para quem está doente, porém, mesmo ele, em momento algum do desempenho de sua atividade normal, põe em risco sua própria vida para salvar seu semelhante.
    Dentro dessa ótica, querendo ou não, é bastante provável que em breve a sociedade seja obrigada a admitir que chegamos em um beco sem saída.
    Ou a sociedade desperta desse profundo estado de sono em que se encontra e exalta aqueles que estão dispostos a defendê-la com o sacrifício da própria vida, ou os cidadãos de bem chorarão lágrimas de sangue.
    Ou se dá o devido valor à polícia, ou a corrupção tomará proporções gigantescas e incontroláveis, de tal modo que o poder paralelo imporá aos cidadãos toda sorte de desrespeito aos seus “direitos” constitucionais, “governando” através da lei do silêncio e do medo.
    É preciso esclarecer à sociedade que quando um cidadão comete algum deslize, em algum momento do convívio social, é melhor que ele seja enquadrado por um policial (até com a arma em punho, se necessário) do que estar na mira da pistola de um marginal, cujos valores morais são completamente deturpados e quase sempre age sob efeito de entorpecentes.

    “A vida é o maior bem que o homem possui”

  • Washed

    julho 18, 2009 at 08:38

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