LA GÉOGRAPHIE ÇA SERT D’ABORD À FAIRE LA GUERRE
Os milicos ianques não gostaram. Os professores de Geografia adoraram. O Google Earth representa uma revolução no ensino de Geografia. Os velhos mapas com meia dúzia de cores em breve estarão aposentados. Ou, pelo menos, se igualará em importância ao velho mimeógrafo encostado no depósito. Nenhum incauto poderá mais ser enganado; a Argentina não é alaranjada.
Já faz bem uns dois meses que passeio pelo planeta utilizando o tal. Não na quantidade de tempo que acredito como ideal (o que? Oito horas em frente ao PC na China é suficiente para me internarem? Oh, Deus, gracias por esse sol tropical…). Mas… como não existe nada perfeito, o Tocantins e o Mato Grosso do Sul não existem nesse super-mega-ultra-hiper modernoso programa. A inexistência do Lago de Palmas, formado em 2001, demonstra a desatualização do banco de dados do software.
Todavia, porém, contudo, entretanto… não são essas coisinhas que tiram seu fascínio. São assombrosos os detalhes das imagens. Tão apurados que vários governos já se manifestaram contra o programinha. China, Austrália e os militares norte-americanos já menearam a cabeça, horrorizados.
Novos sentidos são dados às escandalosas idéias de Yves Lacoste em A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra, de 1975. Nesse livro, o geógrafo francês identifica duas geografias: a “Geografia dos Estados Maiores” e a “Geografia dos Professores”. Essa, neutra, asséptica, desinteressada. Aquela, saber estratégico, útil aos Estados e corporações capitalistas. Em processos concomitantes, o fortalecimento dos raciocínios espaciais se dava ao mesmo tempo em que um saber geográfico banal se popularizava, através da inútil, chata e decorativa geografia escolar.
Cinco anos depois, Lacoste escreveu “Os objetos geográficos”, publicado originalmente em “Cartes et Figures de la Terre” e traduzido para o português em 1988. Nesse texto, o eminente geógrafo apontava as dificuldades em fazer o levantamento cartográfico quando não existia ainda o ‘olhar vertical’, a ‘vista de cima’. Considerar, controlar, dominar, atravessar – sublinha Lacoste – eram preocupações tanto dos dirigentes das grandes empresas quanto dos chefes de Estado. E isso centenas de anos antes de existir propriamente uma Geografia instituída – escolar ou científica.
Pois bem. A tese da supervalorização dos mapas era válida quando produtos cartográficos eram objetos sigilosos nos quartéis e gabinetes de guerra. O aumento insano de informações viabilizado nesse mundo internético poderia mudar as regras do jogo. Os mapas sistemáticos se tornaram eminentemente públicos e os mapas temáticos já não são mais inacessíveis. Muda o paradigma?
Estar nu nos dá a sensação de insegurança (excetuando Luz Del Fuego e discípulos). Insegurança gera paranóia. Isso talvez explica a histeria daqueles que amaldiçoam o Google Earth. Eles estão pelados. Ao contrário do que acontecia no passado, é pouco provável que essa nudez favoreça um lado de qualquer guerra. Afinal, ambos guerreiros estão nus.
Alguns apelam pela suscetibilidade ao terrorismo. Considerando que o terrorista está vestido e muito bem escondido, pode até ser procedente. Ocorre, todavia, que o Google Earth não é a fonte cartográfica de algum terrorista nerd, desejoso de explodir alguma torre por aí. Nesse mundo de zilhões de informações, as coordenadas geográficas da Casa Branca estão a um olhar sobre uma planta urbana da cidade de Washington. Chega ao limite da ridicularidade esmaecer o palácio presidencial, como se isso bastasse para despistar mísseis inimigos.
Enquanto isso, a nova “Geografia dos Professores” se diverte com o maravilhoso mundo oferecido pelo Google.

Vazio onde antes estavam as duas torres do WTC.

As duas torres do CN ainda estão de pé.
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