Nada pessoal

O mundo do solitário é inviolável. Mesmo quando, por acaso do destino, se depara com outro tão só quanto ele mesmo, o que sustenta a relação entre os dois não é a disposição a romper o estado de solidão. O que os aproxima é o gesto de se olhar no espelho, de não mais se achar a única pessoa desse mundo. “Sim, há outra pessoa como eu”, e isso os consolam. Mas o encontro dos dois mundos é improvável, porque, se assim ocorrer, ambos implodem. A dor da solidão é amenizada por uma outra dor, mais solidária. Se é menos dor? Talvez, porque há o compartilhar, há o andar em cumplicidade, mesmo não sendo essencialmente parelho.

~*~

MV5BMTk2MDkwMDc2MV5BMl5BanBnXkFtZTcwMDAxMTIzNA@@._V1__SX1377_SY680_É assim, no conjunto de pequenas elevações e extensas planícies margeadas por pântanos que o oeste da Irlanda surge como o terceiro personagem do filme “Nada Pessoal” (Nothing personal, 2009). Personagem melancólico, taciturno, sufocante, mas de um lirismo e beleza encantadores. Os dois outros personagens de carne e osso, os solitários do filme, se silenciam a favor da marcante presença do espaço. Pouca luz solar, chuvisco constante, frio. Um homem e uma mulher desiludidos do mundo à volta. Reconhecem no outro uma espécie de si mesmo, uma imagem refletida no espelho. Pequenos gestos trazem a humanidade de volta no prazer da recém-descoberta companhia. Não há, entretanto, encontro, no sentido restrito da palavra. Não há muita cor no mundo (real) para tanta melancolia. Longe de ares hollywoodianos, o final é uma poesia em forma de filme. De acre sabor, como a vida.

No Comments

Post a Comment