Ágape

O sol escaldante, o inimigo em fúria. A derrota estava a um passo. Do monte, o líder acompanhava o desenrolar, em ansiedade. Quando seus braços se mantinham levantados, uma energia colossal entranhava o corpo de seus liderados. Algo sobrenatural acontecia e seu exército acossava o adversário. Mas o líder não era um super-herói. Era de carne, osso e trêmulos músculos. Os braços cansavam e, abaixados, seus homens enfraqueciam; soldados perdiam ânimo – e vida. Deveras contradição: por meio de seu gesto uma força sobreumana se manifestava, mas não tomava seu próprio corpo que clamava por arrimo. O exército sem ele seria pó. Dois diletos amigos o ampararam, um a cada lado. Os braços ficariam levantados. Vitória.

A espada não venceria se o sobrenatural não estivesse sido manifesto. O sobrenatural não se manifestaria se o Lider não estendesse suas mãos. As mãos não seriam estendidas se não fossem os dois diletos amigos. Entranhados, o amor dos três era a própria manifestação do sobrenatural – agora em forma implícita, discreta, serena, mas nem por isso mais fraca ou menos miraculosa.

O amor é a fração de Deus em nós.

[Leitura: Êxodo, 17]

Tempestade

A tempestade atormentava as águas. O vento agitava-as. O barco trepidava de um lado ao outro, sem sentido, sem orientação. A tripulação se amedrontara. Menos um.

Ele estava dormindo. Seu sono era apenas a manifestação de sua carnalidade – o Deus retido momentaneamente em um corpo humano. Tudo sabia: o cansaço do dia, a sonolência da noite, a afoita natureza noturna, o desespero dos homens, o clamor de alguns.

Senhor de tudo – da natureza e dos homens – foi acordado de seu sono quando o barco dava sinais de ir a pique. Não se preocupara. Sabia que não havia chegado a sua hora e que a ansiedade dos homens lhe traria do mundo dos sonhos.

Aquele barco não naufragaria – assim como não naufraga nenhum barco em que Ele está. Não há manifestação da natureza que retém seu poder: se te achares à deriva, Ele te porá a caminhar sobre as águas. Se te faltar fé, à moda de Pedro, Ele lhe estenderá a mão. Recuse-a, e um Grande Peixe lhe manterá a salvo (entende, Jonas?).

Nossos planos de destruição não se mantêm quando para nós é decretado um plano de salvação.

[Leitura: Mateus, 8]

Maldição

Balaão era um mercenário, um profeta que oferecia seus préstimos a quem melhor o pagasse. Saiu de sua cidade, ao norte da Mesopotâmia, para atender o chamado de Balaque, rei entre os moabitas. Balaque estava amedrontado com o poder de fogo do exército israelita, e gostaria de uma ajuda sobrenatural. Pagou Balaão, portanto, para lançar uma maldição no povo vizinho.

Não deu certo. Balaão, mesmo sendo um profeta pagão, não pode amaldiçoar Israel. Deus o impediu. Mesmo se a maldição saísse da sua boca – sabemos hoje – não teria o menor efeito. As bênçãos vislumbradas na visão profética de Balaão se concretizaram – apesar dos apelos de Balaque, o rei amendrotado.

As maldições lançadas contra nós somente têm efeito se Ele permitir. Permitindo, Ele mesmo nos dará forças para que suportemos.

[Leitura: Números, 22]