Leãozinho

Ruben era corajoso, valente. Gostava de exercitar sua primogenitura. Um exemplo de sua audácia – um atrevimento, até – esteve em seu envolvimento com Bila, concubina de seu pai. Nas palavras de hoje, era um homem carregado de testosterona. Seus dois irmãos imeditamente mais novos, Simeão e Levi, exercitaram a valentia com violência: comandaram o massacre a Siquém depois que Diná, uma de suas irmãs, foi assediada sexualmente por um homem da cidade.

Tanta testosterona teve um preço: a perda da primogenitura.

Jacó, em leito de morte, deu a primeira benção a Judá, o quarto filho. Dizia seu pai que ele era como um “leãozinho”. Muitos citam o leão enquanto um animal dominador para indicar a profecia de que, da tribo de Judá, se teria o rei que estaria a frente de todas as outras tribos. Mas o texto é claro: não se trata de leão, mas de leãozinho.  Não há explicação adicional sobre a expressão, mas cá penso se não é algo que combina a doçura e sensibilidade dos animais de pouca idade à ferocidade mobilizada quando necessária.

Testosterona, macheza, instinto, virilidade, só fazem sentido na natureza humana se combinado com a doçura e a sensibilidade.

É assim que se faz bons reis, bons líderes, boas pessoas. Doçura e firmeza, combinadas.

[Leitura: Genesis, 49]

 

Miséria

Nossa miséria não pode ser medida. É, de fato, incomensurável.

Achamos, na maior parte do tempo, que somos merecedores por tudo o que de bom recebemos. É uma estupidez.

Não somos merecedores de nada. Somos maus. A ira, a cobiça, a inveja… e tantos outros ‘desvios’ nos tomam.

Mas há quem, mesmo assim, se acha justificado por suas boas obras.

Não é.

Na balança, o que nós colocamos do nosso melhor ainda é pior do que esterco.

Tomar consciência, portanto, de como somos miseráveis não é um sinal de loucura. É a boa razão, uma iluminada razão, nos colocando no nosso devido lugar.

Loucura, mesmo, é depois de ter o reconhecimento de tamanha miséria escolher o afastamento d’Ele.

Um absurdo.

Um absurdo porque a razão diria que é exatamente a consciência de nossa total depravação que nos faria ainda mais dependente de Sua Graça.

Não é de fato uma loucura? Eu reconheço que sou mais miserável do que antes achava e, aí, resolvo que sou indigno de ficar na presença d’Ele. Se antes eu me achava um não-merecedor, não seria EXATAMENTE agora que minha dependência deveria estar a níveis críticos, de modo que todas as minhas ansiedades e preocupações se depositassem, unica e exclusivamente, aos pés d’Ele?

O sensato, creio, é fazer o que se espera. O fraco, ao se tornar consciente de sua fraqueza, se refugia no Castelo Forte. Afastar-se é jogar-se no abismo. É se entregar, em definitivo, à morte.

Que a misericórdia se estenda a nós: em força, em conhecimento, em sensatez. Que nossa miséria não nos atrapalhe a nos aproximar d’Ele. Porque, afinal, é Ele quem cuida de nós.

Destino

Se houvesse um manual do tipo coisas-que-um-rei-de-Israel-não-deve-fazer, certamente Acabe seria seu autor. Casou com uma mulher odiável (ou o que dizer de uma rainha que persegue seus próprios súditos?), permitiu altares de outros deuses e continuou a tradição dos reis de Israel, desde Jeroboão, a fazer o que não era a vontade de Deus. Acabe foi um legítimo vaso criado para a desonra.

Mas Acabe não era covarde.

Sua morte, nas mãos dos sírios, é uma prova de sua valentia. É, também, uma prova de que, ao plano de Deus, nada se pode opor.

Acabe desistiu de usar o aparato de proteção e a posição abrigada de um rei em frentes de batalha. Vestiu-se como um soldado qualquer. No meio de tantos soldados, lá estava o rei, de espada na mão.

A profecia a ele, entretanto, era de morte.

Os sírios não buscavam nenhum outro, a não ser Acabe. Josafá, rei de Judá, seu aliado, manteve-se como manda o figurino. Não demorou para que os sírios o achassem. Não fosse um grito, que denunciara ser ele Josafá, e não Acabe, estaria morto.

Na frente de batalha, uma flecha desavisada atingiu um dos vários soldados de Israel. A couraça o protegia, mas a flecha o atingiu entre as dobradiças da armadura. O ferimento provocou grave hemorragia. Sangrou até o fim da tarde, quando faleceu. O rei estava morto.

A morte de Acabe é um recado profético. Não conseguimos desviar do rumo daquilo que a nós foi decretado. Esquerda, direita, norte, sul, não importa. O destino será o mesmo. Não há opção. Não há escolha.

[Leitura: II Crônicas, 18]

Milagre

Lázaro estava em descanso. Provavelmente, se perguntado, não desejaria voltar a vida. Ele não faria a vontade de Lázaro, mesmo dele sendo amigo íntimo. Sua Vontade é soberana.

O milagre foi generoso para com suas irmãs. A angústia e a dor da perda foram resolvidas com a devolução de Lázaro ao seu convívio familiar. Lázaro, entretanto, voltara à disponibilidade para a dor. Do descanso sossegado para a vida em angústia, Lazaro não teria motivos sinceros para agradecer ao Seu Amigo. Mas Ele sabia de tudo. Sabia que o amigo morreria. Sabia que o corpo de seu amigo entraria em decomposição. E sabia também que o milagre seria ainda mais milagre, seu poder seria ainda mais poder se Lazaro viesse a vida depois de esgotada todas as esperanças.

Ele sabia das coisas.

Não há limite para seu conhecimento ou para seu poder. A Ele, toda honra.

[Leitura: João, 11]

Valente

O que vale um homem valente?

Sua braveza, sua coragem, certamente serão suficientes para vencer uma batalha.

Mas sua valentia servirá para vencer uma guerra?

Não, certamente não.

É preciso mais que isso. É preciso que, ao lado do valente, estejam mais valentes.

Tombado na guerra o único valente, seu exército torna-se presa fácil ao inimigo.

A batalha vencida pelos valentes, por sua vez, enche de ânimo seu exército.

Lutar sozinho é desanimador demais. O ânimo só estará a seu lado se outro valente estiver bramindo a espada a seu lado.

Guerras não são feitas para serem travadas sozinho.

[Leitura: Crônicas, 1o, 11]

Mornidão

A vida é curta demais para sermos indiferentes a ela. Cada minuto deve ser vivido intensamente. Ele não mais voltará. Faça-a valer a pena. Não seja morno. De que vale a pena ser mero expectador? O que ganha apenas observando os dias à sua frente? Porque acrescentar horas a sua vida e não vida a suas horas? Não seja morno!

Acrescente frieza a sua vida.

No calor escaldante, precisamos de refrigério. A água gelada nos concede alívio. Água morna não mata sede. Água morna não refresca. No calor da discussão, é necessária a intervenção rapida e eficiente da racionalidade. A razão é fria. A mornidão é sinal de indiferença. Não serve pra nada.

Acrescente calor a sua vida.

Envolva-se no calor do amor que te faz bem. Permita-se ser tomado pelo efeito terapêutico da água quente. Deixe a água quente percorrer seu corpo e despi-lo do cansaço. O calor depura. A quentura dissolve impurezas. A mornidão é sinal de indiferença. Não serve pra nada.

Não seja morno. Não se permita usufruir dos benefícios da indecisão. Escolha e seja responsável por elas. Tome decisões. Não se deixe levar ao sabor do vento. Não seja morno!

Sejamos frios quando precisamos ser frios. Sejamos ferventes quando precisamos ser ferventes. Mas jamais sejamos mornos. Em ocasião nenhuma. A vida não nos merece assim.

[Leitura: Apocalipse, 3]

Brevidade

Choro muito,

Mas sei que um dia terei minha consolação. Meu descanso breve está. Assim como os dias passaram como relâmpago, mui breve estarei nos braços do Pai.

Meu coração padece por ingenuidade,

Mas sei que o Reino dos Céus brevemente haverá de ser meu; o meu socorro é para agora – me privando do mal a mim e a todos que amo – e para sempre.

Aflição me toma,

Mas sei que é o gemer do que há de mais profundo em mim, e só terei consolação definitiva quando as trombetas em breve soarem.

Tão breve como os séculos – aos olhos do Senhor – será minha espera, aos meus olhos.

É isso que espero, é nisso que confio.

[Leitura: Mateus, 5]

Refúgio

Há um rio caudaloso que desce da cidade sagrada.

Nesse rio, fartarão-se os eleitos.

Lá não existirá mais dor.

Nem cansaço.

Nem lágrimas.

Mesmo hoje é possível descansar às margens do rio.

Eu consigo.

Embora não saiba exatamente se o ruído das águas

São mesmo do rio ou das lágrimas que dos meus olhos caem.

Soluços findando, sinto-me em alívio.

E dou graças a Ele por me sustentar, me segurar, permitir meu choro escondido e o ombro amigo,

Jamais desistindo de mim – mesmo que, por alguns instantes, eu me distancie d’Ele.

[Leitura: Salmos, 46]

Sacrifício

O amor exige sacrifício. Se não houver sacrifício, não há amor.

“O amor é sofredor”.

Em outros tempos, considerava que o símbolo máximo do amor era não inspirar “posse” sobre o ente que, em mim, houvesse desperto esse sentimento. Estava ainda maravilhado com uma lição d’O Pequeno Príncipe:

“Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla. Ele pensa: “Minha flor está lá, nalgum lugar. . . ”

Ou, numa versão contemporânea das velhas certezas do passado, Jorge Vercilo cantaria “Pedra preciosa de olhar/Ela só precisa existir/Pra me completar”.

Enfim, um amor despreendido, desinteressado, tranquilo, sereno. O sacrifício exigido, nesse amor, seria a renúncia a posse, o desejo de que o outro estivesse bem – mesmo que longe.

A possessividade, entretanto, está muitos níveis acima desse amor.

O Pequeno Príncipe apenas desconfiava, mas o paraíso do amor estaria no planeta isolado: uma única flor, distante de qualquer olhar, estaria a ser contemplada unicamente pelos olhos desejantes de seu amado.

Mas sacrifícios maiores são exigidos quando o amor também é maior…

Ao maior amor do mundo, a vida é exigida como consequência.

Ao entregar a vida, em morte horrenda, fomos apossados por Ele.

Um amor possessivo, eis o que é.

E “estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus” (Romanos 8:38,39)

Eis um amor verdadeiro. Um Amor.

Sem sacrifício, não existe Amor.

[Leitura: 1 Corintios, 13]

Calma

Todos se preocupavam com ele. Já havia precedente da crueldade da lei terrena. Seu amigo havia sido executado. Ele, entretanto, estava calmo. Toda sua ansiedade estava repousada em Deus. Esvaziou-se de qualquer preocupação e a sonolência o tomou. A rígida segurança na prisão impediria sua fuga. De qualquer forma, ele não se via fugindo. Como um outro amigo seu diria, “o morrer é lucro”. Se assassinado por não negar seus princípios, melhor ainda.

A calma de Pedro é uma evidência de seu amadurecimento na fé. Não se harmoniza com o impulsivo que cortara a orelha de um soldado romano ou com o indeciso e medroso homem que há tão pouco tempo havia mentido a alguém quando inquirido sobre suas raízes cristãs. Pedro o negara. Três vezes, como Ele havia revelado. Mesmo tendo o acompanhado nos últimos anos, sendo testemunha ocular do Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus, Pedro o negara. Três vezes.

Pedro dormiu sob vigilância extrema e tão horrível expectativa de morte. Não se atribulara. Já estava ciente de que a morte e a vida estão de tal maneira entrelaçadas que somente a Verdadeira Vida seria possível tão somente se ele passasse pela experiência da morte. Pela morte, encontraria a Vida. Unido na experiência da morte (vencida por Seu Salvador), Pedro o encontraria.

Daí o encanto pela morte enquanto solução temporária para problemas temporários. Quem ama a Vida, por coerência, não deve temer a morte. Quem ama a Vida, certamente deve deseja-la.

É na morte que encontramos a Vida.

[Leitura: Atos dos Apóstolos, 12]