Nostalgia

Por Florbela Espanca, in “A mensageira das violetas”

Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi…
Mostrem-me esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

Ó meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim…
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

Para mais Florbela, dirigir-se aqui e aqui.

Acção apodíctica? Portanto não fronética, OK?

Pergunto-me seriamente se, passados vários anos (sim, aposto na longevidade desse blog – queira Deus desse blogueiro também…), entenderei post’s com significados tão particulares, íntimos e pessoais como, entre outros, esse, do dia 09 de fevereiro.

Às vésperas de uma seleção de pós-graduação (ah, essa malfadada….), angustiava-me numa leitura obrigatória pra lá de penosa – Introdução a uma Ciência Pós-Moderna, de Boaventura de Sousa Santos. A sensação era a mesma de quando comecei a ler Fenomenologia do Espírito, de F. Heidegger, tarefa fracassada após inúmeras tentativas.

Apesar do esforço tremendo em esquecer absolutamente tudo dessas aventuras epistemológicas do senil sociólogo português, algumas coisas persistem ainda hoje.

E sim, como àquela mulher que, após levar uma surra do marido, declara masoquistamente seu amor incondicional, ou como aquele funcionário que sorri feliz depois daquele esculacho do chefe, sinto-me enamorado por algumas idéias do livro.

Uma delas, por exemplo, envolve o reconhecimento da existência de uma lenta ruptura epistemológica própria ao desenvolvimento da Ciência Moderna; essa ruptura consiste basicamente em um distanciamento – histórico e progressivo – do conhecimento científico em relação ao senso comum.

Para o professor da Universidade de Coimbra, é necessário e urgente, hoje, pensar uma ruptura da ruptura epistemológica. Em outras palavras, diminuir as distâncias entre os discursos científicos/senso comum, com a finalidade de transformar qualitativamente esse último, e, logicamente, deixando-o menos comum.

Descobri posteriormente que o luso foi elevado a ícone do pensamento gauche mundial. Ah, bom. Diminui aí, por gentileza, cinqüentas chibatadas. Ele merece.

Li…

Por força maior, digamos assim, a leitura dos quatro volumes de “As Brumas de Avalon” azedou – temporariamente, é certo. Conferi apenas o primeiro da série. Em férias por quinze dias no mês de fevereiro, e distante da coleção de Marion Zimmer, abri o badalado “O Código da Vinci“.

O livro é bonzinho, com muitas reviravoltas e ‘segredinhos’, desvendados pelo leitor ao passar de páginas; já os diálogos são, assim, meio chinfrins, com aquela rapidez e brevidade pragmática típica de best sellers estadunidenses. Os mistérios, por outro lado – como a identidade do enigmático ‘Mestre’, um personagem chave da história – não são de todo imprevisíveis.

O que não dá pra entender, definitivamente, é a celeuma inicial que o livro causou. Até entendo que ali se encontram informações que abalam a estrutura da fé cristã – como um Cristo casado com a ex-prostituta (prostituição controversa, porém…) Maria Madalena e sua descendência vivendo até os dias atuais. Ora, isso não quer dizer, em absoluto, que isso aconteceu. É um livro fictício, não histórico. E, mesmo se fosse um fato – com provas, inclusive – não acho que a melhor atitude fosse desestimular o cristão a lê-lo – mesmo porque atitudes desse naipe têm sempre efeito contrário.

No vácuo do livro de Dan Brown, o mercado editorial aproveitou para lançar dezenas de títulos relacionados ao tema. Muitos deles, inclusive, se deram ao trabalho de ‘quebrar’ o tal Código, como se fosse necessário provar científica e historicamente que uma invenção literária é apenas isso – uma invenção literária.

Prova da liberdade fantasiosa de Brown é a presença do tal ‘Priorado de Sião’ no eixo do enredo. A entidade é, segundo alguns, guardadora de segredos do cristianismo primitivo e da descendência de Maria Madalena. O ‘Priorado’ no entanto, é uma farsa, uma produção alucinada da mente doentia de um monarquista francês na década de 1950.

Para maio está programado o lançamento da versão cinematográfica, na abertura do 59º Festival Anual de Cinema de Cannes, protagonizado por Tom Hanks e Ian McKellen. Adaptações para as telonas são quase sempre decepcionantes. A algazarra promovida pelas entidades católicas, primeiramente, e pela dupla de historiadores Michael Baigent e Richard Leigh, que acusam Brown de plágio, atualmente, garante, pelo menos, presença maciça de público no cinema. E isso, para os produtores, donos de cinema e pipoqueiros, já é suficiente.

Boa Aventura. Ou Desventura, como queira.

Não sei como ele apareceu ali. De repente, lá estava. O engraçado foi que eu não me assustei. Nem um pouco, veja só. O senhor de cabelos grisalhos também não era de meter medo algum, se não fosse a sua assombrosa e inexplicável aparição. Decidi ignorá-lo. De nada adiantou – pois parecia que sua intenção era também a mesma. Resolvi dar aqueles grunhidos sobrenaturais para ver se o velho se mancava, tipo, um ‘ahã…’ estrondoso. Sorriu, de leve, como se isso fosse suficiente para me responder.

***

Sua decrepitude sumiu diante da força com que o livro foi arremessado. Além de força, o velhinho mostrou boa pontaria. Desequilibrado, o chão me serviu de consolo.

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“Leia, burro, e entenda, moleque”, ecoou pela sala na penumbra.

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Lembrei-me das 2873 gargalhadas dadas ao ouvir as 2873 piadas do Joaquim e Manoel. “Até o fim do mês, moleque, até o fim do mês” praguejou. “E ai de você se lhe vejo por aqui”, finalizou, envolto por uma fumaça espessa e fedorenta.

Novo ano, novas metas, antigas leituras

A prática é remota. Ao findar o ano, mamãe recomendava pedir ao Papai do Céu o presente não recebido e desejado no Natal anterior. Receberia-o, caso fosse um bom menino. Depois de alfabetizado – e mais ambicioso – comecei a listar alguns brinquedos desejados para o Papai da Terra não esquecer.

A disposição em escrever a listinha, no entanto, foi diminuindo após sucessivos janeiros. Primeiro, na pré-adolescência, por achar isso coisa de criancinha. Depois, na adolescência de fato, por considerar uma coisinha muito… fresca.

Aos vinte, findada a vida universitária e ingressando na terrível agonia da vida de diplomado-sem-futuro-à-vista, retornei à lista. Agora, não mais pediria presente. Lutando contra a minha natural desorganização, ali estavam minhas metas e meus mais profundos desejos. E Papai do Céu foi muito mais bondoso que outrora.

Lembro-me da última, feita no final de 2001. Eram dez pontos – na ocasião, todos considerados improváveis ou impossíveis. O décimo realizou-se em janeiro de 2003.

Minha lista para esse ano tem quatro pontos. São metas ambiciosas. Vamos ver o que dá.

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Comecei a ler ‘As brumas de Avalon’, de Marion Zimmer Bradley. Desde Camelot 3000, minissérie lançada em 1988 em formato HQ pela Editora Abril, jurara ler algo mais consistente sobre a saga do Rei Arthur e da ilha de Avalon. Prioridade a outras leituras, falta de tempo e, às vezes, um pouco de preguiça me desviou do intento inicial.

  

O momento não poderia ser pior. Com duas ‘encomendas universitárias’ para os próximos dois meses, ler algo além dos manuais técnicos pode me custar noites de sono em um futuro próximo, quando a urgência dos prazos me apertar.

Que custe.