Sono, sono, sono
Sinto-te à beira do tédio
Da falta de novidade
De um corpo cansado e um coração tranquilo
Articles by Juliano
Ermitão
Depois de ninguém mais o ver, resolveram visitar a montanha que lhe servia de morada. Nada acharam, a não ser um texto desenhado numa pedra: “nascemos sós, morremos sós. O resto é ilusão”.
Tempo, tempo, tempo
Pleasantville, 2012. Peter desejou por tanto tempo viajar ao passado que não percebeu, coitado, que o presente se acelerava para horizontes distantes. Ninguém o avisou que, em poucos dias, já seria 2015. O pobre e melancólico homem, com um pouco de ridículo e um tanto de patético, pensava, veja só, que ainda estava em… Pleasantville, 2012.
Náufrago
Seus sentidos ainda acusavam o arrebatamento. A taquicardia continuava, a secura na boca permanecia. O coração, enganoso, equivocara-se. A água salgada do mar sugava seu corpo pouco hidratado. Os lábios estavam ressecados. Trêmulo sob efeito do calor escaldante, notara que a miragem havia desaparecida. “O arrebatamento de sentidos foi-se”, repetia, para si mesmo, em força e intensidade que só os loucos possuem. Agarrado a parte que restou do barco, singra ao sabor dos ventos, pouco se importando quanto ao destino final. Depois da ilusão terminada, familiariza-se, resignado, com o azul do céu, com o azul do mar. Blue sky, blue sea. Blue man.
Dúvida
Bento me segredou que ainda hoje não se dá bem com a dúvida.
Quatro, três, dois
O grito desesperador salta da garganta
Afastamento
Grito sufocado, silêncio impera
Desconhecimento
“Onde está a reflexividade do espelho?”
Olhar vazado
Espelho transparente
Da superfície calma do mar
Não viu o turbilhão nas profundezas
Sobre canções
Nossa vida tem uma trilha sonora. Por mais que gosto de Roy Orbison, não o ouço em qualquer ocasião. Penso que nosso estado de espírito exige, para cada momento, uma canção diferente. Não dá pra ouvir canções felizes e dançantes quando você está deprê, por exemplo.
Ramiro, o protagonista de “Todas as canções falam de mim” sabe bem o que isso significa. Depois de seis anos vivendo com Andrea, é obrigado agora a lidar com a ausência dela. Procura preencher o vazio com os amigos (que jamais o compreenderiam), com uma ou outra companhia feminina. Encontra mulheres mais lindas que Andrea, mais literárias (ele é apaixonado por livros – graduou-se em literatura – e Andrea é arquiteta).
Mas, poxa, não é Andrea.
O filme trata dessa difícil superação de um relacionamento que se acabou. Ramiro é a fotografia da melancolia. Passa noites olhando fotografias antigas, cartas e outros objetos que reativam a memória. Não sabe o que fazer com a ausência de Andrea. Para muitos, Ramiro é um estúpido. “Ora, com tantas mulheres nesse mundo, porque sofrer por uma?”.
A beleza de tudo está na sensibilidade de Ramiro: ele reconhece na intimidade vivida com Andrea a fonte de sua completude enquanto homem. E a intimidade, nesse caso, nada tem a ver com sexo; afinal, são muitas as mulheres que passam por sua cama depois de Andrea e ele não se ‘conecta’ a nenhuma delas.
O filme é pontuado por frases belíssimas. O que dizer de “Nada deprime mais uma pessoa apaixonada do que ser feito de idiota. O que significa, lembrar-lhes que estão num jogo. Embora a seriedade do jogo possa machucar para a vida toda”? E as canções? O narrador já adverte que, quando apaixonado, tendemos a gostar de canções que até então nos parecem ridículas. Mas lá estão elas, pra dar vazão ao desconforto acumulado…
As canções selecionadas (e os trechos de livros citados – Kundera e Pizarnik, sobretudo) são uma grandeza a parte.
“Cantarei o que quero/Calarei enquanto bebo./E se for para esquecer/ou para revelar secredos/melhor, melhor calar”.
Se posso me manifestar contra algo desse bonito filme, é o tal paradoxo da nostalgia:
“Quanto mais vasto o tempo que deixamos para trás, mais irresistível é a voz que nos convida ao retorno. Essa frase parece evidente, e no entanto é falsa. O homem envelhece, seu fim se aproxima, os instantes se tornam cada vez mais preciosos e ele não tem tempo a perder com suas lembranças.”
Como assim? Instantes preciosos? Não ter tempo a perder com lembranças? Há espaço para outra coisa mais sensata que não ter uma velhice vivida sob um hedonismo rasteiro? Tantos tempos acumulados pra serem jogados no lixo em função de uma nova experiência que se avizinha? Não, não e não.
Quando estiver velho, quero me afogar em lembranças.
“Vamos ser altruístas?” Donnie Darko e o supremo amor
É difícil classificar Donnie Darko (2001) em algum gênero fílmico. É drama, é romance, há um pouco de suspense psicológico. Entretanto, é sobretudo ficção científica – o que descobrimos somente após decorrida a primeira metade do filme. Hawking, teoria das cordas, dimensão paralela… tudo isso e muito mais permeiam as explicações, no filme, para viagem no tempo-espaço.
Atraído por uma sinopse que declarava a proeminência da fantasia na realidade de Donnie, descobri um filme para além disso: complexo, com uma narrativa composta de fragmentos e repleta de pequenas explicações que só farão sentido quando, depois dos créditos aparecerem na tela, o expectador monte sua própria compreensão sobre.
A atuação de Jakes Gyllenhaal é incrível. Ali está a estranheza, o desconforto e a melancolia que caracterizaria, ao primeiro olhar do expectador, um sujeito esquizofrênico. A figura surreal de um coelho gigante interagindo com Donnie fortalece a sensação de algum tipo de delírio mental.
Escolhida criteriosamente, a trilha sonora é “quase-protagonista”. É responsável por acentuar o clima sombrio e nostálgico do filme. Dá vontade de “morar no filme”. A versão de Head Over Heels (Tears for Fears) especialmente gravada para o filme é um primor – embora, pareça, seja criticada por fãs da dupla britânica.
O aparente desequilibrio emocional de Donnie esconde uma profunda genialidade. Sua capacidade de entrega é sublime. Assim, não importa desanuviar minha dor naqueles que amamos. Isso é sobra de egoísmo. O que devo fazer é o possível para não transferir minhas angústias ao outro. O altruísmo de Donnie, ao provar seu amor pela família e namorada, o transforma em um pequeno diamante no meio de uma massa disforme de cascalho. “Eu seria capaz de fazer o que Donnie fez?” é o que me perguntei, ao terminar o filme.
Altruísmo é isso: ver na felicidade do outro a razão de sua vida.
Diálogo top-top:
Donnie: “Por que você usa essa fantasia idiota de coelho?
Coelho: “Por que você está vestindo essa fantasia ridícula de homem?”
Silêncio
As palavras são um rio
Carregam sentidos só percebidos pelos ribeirinhos
No ruídos das águas
joão-zé-maria-fulano-de-tal captam significados
Tico-do-rio gostava das margens
D’onde apreciava as variações de timbres,
os chuás-chuás cadenciados
um lamento da natureza
Do silêncio Tico-do-rio não gostava
Não era fácil traduzir a mensagem
Da inaudita linguagem
Por poucos compreendida (por muitos condenada)
No meio da mata, longe das barulhentas águas
Não conseguia encontrá-lo
O ruído o perseguia
Entre assobios de sabiás e chocalhos de cascavéis
Dialética das dialéticas
O silêncio foi encontrado
No interior das massas de ruído
Corpo submerso no agora gélido ribeiro
Pulmão ardente
Tico-do-rio anseia pela vida
Para a dor, o silêncio é apenas pausa
Para a vida, é sobretudo caos
Esquecimento
Uma reflexão so
bre a velhice, sobretudo. É esse o maior trunfo do “E se vivêssemos todos juntos”, filme francês de 2009 com Jane Fonda e Geraldine Chaplin no elenco. Sobra sensibilidade na tela para abordar os dilemas da velhice. É, também, um libelo à amizade. Retratando bem as contradições da natureza humana, da metade do filme para o final segredos são revelados e a história (turbulenta, as vezes) dos amigos é revelada. A cena final é tocante: o esquecimento colabora para que a dor seja diminuída. Talvez seja essa a maior vantagem da memória titubeante no final da vida.