Solidão

Há algo de pavoroso e fascinante na solidão.

Pavoroso porque a tendência, desde a infância, é encontrar o prazer da vida no contato com as outras pessoas – primeiro pais, depois o restante da família, pessoas da vizinhança, da cidade, etc, etc., em círculo cada vez mais amplo.

Fascinante porque talvez a única maneira de privar-nos da insatifação, da dor, da busca pela compreensão, esteja na silenciosa e pesada escuridão da solidão.

Enquanto nos equilibramos entre o pavor e o fascínio, saímos por aí tateando o gosto pela solidão e a quase obrigação da companhia.

É isso.

Reciprocidade

Qualquer relacionamento, independente de sua natureza, exige reciprocidade para que seja durável. Alguns vêem nisso um pouco de mesquinhez, de grosseiro e vulgar interesse próprio. Ledo engano. Uma relação só se mantém às custas do interesse do outro, diariamente mantido. Mais comprometimento, mais desejo, mais entrega de uma das partes altera o prumo da embarcação, desequilibrando-o. A saída mais difícil é diminuir o peso — o interesse — para, dessa forma, reequilibra-lo; a mais simples, mais recorrente, mas também mais dolorosa, é pular do barco. Desequilíbrio condena qualquer bom projeto náutico. Não tarda a naufragar, caso haja insistência. Infelizmente.

Suicídio

A morte de Robin Williams, ocorrida hoje, provavelmente incluirá o suicídio em muitas rodas de conversa. Sobra quem condena, e qualquer tentativa de explicar os motivos que conduzem uma pessoa a colocar um fim em sua própria vida é vista com perplexidade.

Não vou fazer papel de advogado dos suicidas, óbvio. Preciso dizer, porém, que equivoca-se aquele que considera o suicida um covarde. Homens famosos por valentia e coragem tremem quando sua vida é colocada em risco. Já o suicida se encontra, convicto, com seu derradeiro suspiro.

Não há aquele momento em que temos o sono como a mais agradável companhia? O suicida deseja isso, apenas isso. Um sono, um descanso para suas dores que tanto o aflige. Seu sofrimento é maior do que qualquer expectativa a mais de dias ou horas de calmaria.

O que ele não sabe é se em seu novo sono haverá espaço para a morna inconsciência de um adormecer ou um pesadelo ainda pior do que conheceu em vida.

Solidão

Descubro que o estado de solidão não ocorre simplesmente quando nos deparamos com ausência de companhia. Essa é apenas a mais trivial de suas formas. Talvez esse vazio que a solidão proporciona seja sua face mais branda. Horrível, mesmo, é quando a solidão PREENCHE. Sufoca. Tortura. Envolve-nos numa camada pegajosa de desconforto, em que cada movimento – à maneira de um inocente inseto capturado em uma teia de um aracnídeo qualquer – nos faz ainda mais preso, ainda mais asfixiado.

Descontrole

Ah, tem o descontrole. Uma tragédia. Não há nada pior do que esse sentimento de perder as rédeas, de não se sentir no processo. Nesses momentos, a hipocrisia vai para o espaço, involuntariamente. Somos nós mesmos ali, na crueza da realidade, sem maquiagem, sem retoques. Sozinhos, em nossa versão menos light, menos palatável, totalmente alheios aos embrulhos cuidadosamente preparados para agradar os outros – seja nos gestos, nas ações ou nos falsos sorrisos. Somos perversos por natureza. Por mais bonzinhos que queremos ser, mais cedo ou mais tarde nosso descontrole nos desmascara. E aí ficamos no centro da sala, sozinhos, acompanhados apenas da nossa estultície. Estultície que insistimos matreiramente em escondê-la. Em vão, obviamente.

Umbiguianas, I

I.

Passaram-se mais de trinta anos. Pouca certeza, pouca tranquilidade, e acima de tudo, pouco dinheiro. Definitivamente, não era esse o sonho. Porque isso é pesadelo.

II.

Descubro que não tenho nada em mim bom o suficiente para, narcisisticamente, me orgulhar. Não jogo bem futebol, não dirijo bem, não gosto de cachorro. Sequer sei contar boas piadas. Até estudar – que sempre contei vantagem sobre isso – anda me pregando peças. É, é minha memória. Esqueci o autor d’O Ateneu, uma boa metáfora do elevador do Zizek, provas na cantina, responder um importante e-mail, e etc. Do último livro que li, Plataforma, só lembro pequenos fragmentos, o suficiente para qualquer um duvidar do fato de que, sim, eu li o livro. E isso porque não faz nem dois meses que fechei o livro pela última vez.

III.

Morei numa pequena cidade no interior do Brasil que orgulhosamente se apresenta como a capital da amizade. Brincava com isso, porque achava que a amizade correu léguas da cidade. Uma bobagem. Porque, afinal, a comparação que fazia era com a cidade natal, farta de parentes e sobrando amigos de infância, da faculdade, da igreja. Uma rápida visita, depois de mais de três anos da mudança para Brasília, me fez rever conceitos. Lá, sim, é a capital da amizade.

IV.

Essa relação urbana da proximidade física e, ao mesmo tempo, estranhamento, mostra que a raça humana não tem jeito mesmo. Pior ainda é chamar bons modos de “urbanidade”. Quem já visitou propriedades rurais sabe do que falo. Não há povo mais carinhoso e receptivo do que os ‘campesinos’. As habitações esparsas fazem com que os vizinhos pouco se vêem. E quando isso acontece, é motivo de festa. Já meus vizinhos não têm sequer o hábito de se cumprimentarem. Sofremos de excesso de proximidade, é isso? Quer dizer que quanto mais próximo, mais distante? Quanto maior a possibilidade de relacionamentos, pior? Quanto mais posso ser humano, dentro de todas as magníficas possibilidades do relacionamento entre pessoas, mais eu me nego enquanto tal?

V.

Datena vocifera na TV. Sangue escorre pelo aparelho. Quero descanso. Quero paz. Deixa eu ir ali assistir Dexter. Porque na ficção tudo é sempre melhor do que na realidade.

VI.

Sem desanimar do blog, porque, afinal, continua ainda sendo mais barato do que pagar terapeuta.

 

Felicidade permanente

A felicidade permanente é vendida por aí em propagandas de margarina,  coca-cola e no culto televisivo da madrugada. Bem, pura ilusão. Não existe sujeito-sempre-feliz, e, se existisse, seria o cara mais tedioso do mundo. E embora desconfie que a maioria das pessoas não aceite essa ideia tão, assim, passivamente, suponho que toda essa presepada influencia muita, muita gente. São zilhões de robozinhos perseguindo, inutilmente, uma permanente felicidade. Nessa busca, a frustração é companhia certa. Neuroses mil, mais e mais gente deprê, e assim por diante.

Por isso, uma frase da Renata Vasconcelos (apresentadora do Bom Dia Brasil, noticiário matinal da TV Globo) é tão fascinante: “acho péssima essa obrigação de ser sempre feliz. Tristeza é fundamental” (TPM, maio de 2011). Brilhante! Como saberíamos, ora pois, como é a felicidade, aquela genuína, momentânea – até mesmo para ser mais valorizada – se não fosse a existência da tristeza? Porque – e desculpe-me pelo lugar-comum – o diamante é o que é por conta de trilhões de pedrinhas áridas e macambúzias…

Calorosos debates

Bem, eu sou pacato. Sou aquele sujeito que cede um boi para não entrar numa briga e uma boiada para continuar fora dela. Por um lado, isso é bom. Não me traz muitos inconvenientes. Raramente pratico o pecado capital da ira e, no geral, consigo ter bom relacionamento com gregos e troianos. E isso traz problemas, evidentemente. O mais grave deles é a demora em tomar partido e, de forma aguerrida, posicionar-me clara e inequivocadamente. No geral, quando faço a opção por algum lado no front, o debate já está quase se esgotando. E, sinceramente, fica aquele peso na consciência por não ter lutado, por não ter falado, por não ter esperneado na hora que, mesmo parecendo ser inoportuna, era o momento em que mais alguém – ou, o que é mais grave, a coletividade – precisava de apoio.

Mas, enfim, a vida é um aprendizado.

E o aprendizado de hoje é o seguinte: por mais tenso (tenso no sentido de quase insultuoso)  que sejam os debates, eles são necessários. Por mais feridas imediatas que apareçam, é necessário que elas se mostrem, às claras, para cicatrizarem-se logo. Pior seria não abrir a ferida e deixá-la gangrenando, escondidinha. Ninguém a veria, ninguém ficaria com nojinho. Satisfazeria nosso sentimento hipócrita de um mundo harmonioso e sem conflitos. Mas isso não existe nem aqui e nem na China. Mais grave ainda: a aparente tranquilidade esconderia, certamente, um submundo de chocarrices, tramas nada puritanas, conversinhas de salão. O enfrentamento evitado e suas correspondentes feridas imediatas, mas facilmente tratáveis, certamente substituiria um universo sincero, honesto, leal, confiável, por um corredor palaciano onde impera a falsidade, os bons modos hipócritas e a dissimulação.

Chega a hora que devemos fazer opções, em nome da verdade. O que é, pois, essencialmente importante para quem quer ser íntegro consigo mesmo e com o mundo que o cerca.