Globalização e Mundialização. Espaço Geográfico e Lugar. Intimidades que não são mais íntimas.

Lembro-me da quantidade de trabalhos sobre globalização que inundaram as escolas na década de 1990. Foi, inclusive, capa da Revista Veja em 1996 (se minha valeriana memória não me trair). Quem não soubesse o que era a tal coisa, não passava de um ignorante.

 

A tradição sociológica francesa (que, como François Quesnais, prefere falar em mundialização) recusou firmemente a nova moda da globalização. A birra francesa era porque já estudavam a mundialização há bastante tempo, mas lhe foram negados a paternidade do conceito de global. Já havia todo um currículo de pesquisas na França sobre o encurtamento das distâncias e diminuição do tempo por meio do avanço tecnológico na informação e nos transportes.

 

O aprofundamento e difusão do tema logo se acompanhou de uma discussão paralela. Nunca tanto se falou sobre o lugar. Fenomenólogos, marxistas, neopositivistas, enfim, geógrafos e estudiosos de todos os matizes filosóficos se debruçaram na sobrevivência do “lugar”.

 

Oprimido pelo global, o lugar, aquela coisa única, particular, logo perderia sua identidade frente a possível homogeneidade do espaço. Nem de longe foi isso que aconteceu. O lugar está cada vez mais forte (que o diga o turismo). Mas o lugar não é mais como antes. O particular, o lugar em suas especificidades, em um flash da National Geography ou uma tomada da CNN, se torna global (ou mundial, como queiram). A intimidade do espaço geográfico é exposta, a título de globalização, para milhares de olhos consumidores e milhões de olhares (somente) desejosos.

 

É o mundo se tornando cada vez mais voyeur. Nós, Homo sapiens sapiens seculus XXI, somos globais em público, mas intimamente doidos pelo particular. As novas tecnologias têm nos ajudado. Qualquer que seja seu desejo, a tecnologia – esse gênio da lâmpada moderno – realiza. Mas pague, por favor.

 

Todavia, o tempo faz as tecnologias baratearem até ao infinito. O fim é a obsolescência. Ainda bem. Qualquer cidadão comum, rapazotes ou velhotes, já passeiam por aí com poderosas microcâmeras.

 

Elas, as microcâmeras, têm achincalhado a privacidade de muita gente. Klaus, o rapazote do Rio, e Marinho, o velhote de Brasília, são exemplos vivos de que o oculto tem pernas curtas (já a mentira, nem tanto). O que há de mais íntimo na sua vida pode estar somente na sua cabeça. Inclusive os chifres.


PS.: Para quem esteve fora do planeta na última semana, um breve glossário:

Valeriana: de Marcus Valério, publicitário que esqueceu o destino de dezenas de saques milionários feitos no Banco Rural, em Brasília.

Klaus: rapazote que gravou suas peripécias íntimas com a namorada e distribuiu na net. A mãe da garota não gostou e está intencionada em deixá-lo conhecer a intimidade de uma cela. Só não vai estar sozinho.

Marinho: Maurício Marinho, ex-diretor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Flagrado angariando recursos, explica o inexplicável e ninguém entende nada. Hã?

O sapo virou príncipe. O príncipe virou sapo?

No final da década de 1980 eu era um moleque ainda. Assistia Smurf, He-man, She-ra, Águia de Aço, Profissão Perigo. Mas também assistia aos Programas Eleitorais Gratuitos. Em um desses, tive a oportunidade de acompanhar a origem de um apelido que marcou por muitos anos um dos candidatos a presidente. Era o sapo barbudo.

Os anos seqüentes a eleição de 1989 me mostrou que esse apelido caricato ao ex-presidenciável era acompanhado de profunda rejeição por parte de muitos brasileiros ao partido que o tinha como um dos fundadores e principal nome. Sapo não era o homem. Sapo era o partido.

Vários presidentes e muitas maracutaias depois, o partido se tornou um sinônimo de ética e de democracia. Ética pelo apego ao zelo pelo bem público e pela fiscalização inescrutável do governo. Ética pela tolerância zero com negociatas e esquemas de corrupção. Ética pela promoção das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) à menor sombra de podridão. Democracia por compreender o pensamento diferente. Democracia por rechaçar qualquer forma de autoritarismo. Democracia pela própria constituição do partido, marcado por tendências da extrema-esquerda a correntes moderadas.

O povo brasileiro beijou o sapo. O anfíbio se transformou em príncipe. Os seus ideais haviam convencidos milhões de brasileiros de que um novo Brasil era possível e viável. A palavra mais lembrada ao agora príncipe era honestidade. Até que…

Começou a pipocar os escândalos. Waldomiro. Correios. Roberto. Exige-se CPI. Mas o partido da CPI se nega. Incoerência? Profunda. Tanto de um lado como de outro. Os bombeiros de antes viraram hoje incendiários, e vice-versa. Aceitou a CPI relutantemente, depois de cada vez ficar mais comprovado relações obscuras entre o publicitário Marcus Valério e dirigentes petistas.

Se a ética passou por rotas nunca dantes navegadas, a histórica imagem do Partido Democrático se desfaz pelo bordão “lugar de quem vota contra o governo é na oposição”. Liberdade de opinião? Só se for a favor do governo. Querem desmanchar verdadeiramente a imagem histórica do partido. Querem transformá-lo em mais um das dezenas que por aí existem.

O príncipe está virando sapo. E ninguém viverá feliz para sempre.

Marx e o pirulito

Tenho muito gosto em participar de congressos científicos. Prazer a parte é também assistir a apresentação de trabalhos nos Espaços de Diálogo.No meio de centenas de trabalhos,  o que pode garantir a sala cheia para assistir sua apresentação é um título chamativo.

Em um congresso passado, havia um trabalho com o título exótico de “As putas e os putos em Marx”. A sala lotou.

Nesse próximo Eregeo (Encontro Regional de Geografia), aposto em um trabalho para o mesmo feito. Já tem, pelo menos, um expectador garantido (eu…). O trabalho se chama “Deus menino da pirulitagem”.

Já fico pensando comigo sobre qual conexão científica com a geografia passa o trabalho. Seria Teologia (Deus)? Psicologia (menino)? Nutricionismo (pirulito)?

Enquanto meu raciocínio dá voltas, os créditos do trabalho estão com o orientador, o excelente prof. Eguimar Felício Chaveiro (UFG), Pollyanne Moisés e Leandro Caitano.

Vamos ver.

Mensalão faz esquecer propinão

Roberto Jefferson esteve ontem no Programa Roda Viva, da TV Cultura. Na minha opinião, só a entrevista com Paulo Maluf conseguiu ser melhor.Jefferson é um verdadeiro show-man. Consegue seduzir os interlocutores. Parece tudo planejado, nos mínimos detalhes. Não houve uma pergunta, por mais vergonhosa que fosse, que o deixasse surpreso ou acuado. Pelo contrário: as perguntas mais duras serviam para um ataque cada vez mais apoteótico.

Pelo estrelismo, se transforma de acusado a acusador.

Vê-lo frente a frente com o Dirceu deverá ser um espetáculo imperdível.

F-1. Por pouco, F-0.

Somente seis carros na F-1. Incrível. Depois da surpresa, poderia ter chumbo grosso por aí. É o mínimo que se pode esperar.

Sugestão seria todos os amantes de automóveis NÃO comprarem mais pneus Michelin. Ou não foi um atestado de incompetência da fábrica francesa?

Outra medida seria solicitar GENTILMENTE que as sete equipes rebeldes voltassem a repetir a manobra do último GP. Isto é, darem a volta de apresentação e se encaminharem ao pit.

Pelo menos assim o Rubinho ficaria em segundo. Em segundo. Rá!

Sobre o rio Volga

A Comunidade dos Estados Independentes foi o tema dos dois módulos da última aula no cursinho. Depois do longo rosário geográfico (Clima, Relevo, Hidrografia, Economia, etc…), uma aluna me perguntou sobre a importância do rio Volga.

Beleza, pensei. Imaginando um mapa da Rússia, lembrei-me do mais largo rio europeu passando por Moscou e banhando as mais industrializadas regiões russas. Mas já pensou se a pergunta fosse sobre o Obi, o Ienissei, o Leni, o Amur, ou qualquer outro grande rio circulando pelos quase 20 milhões de quilômetros quadrados da Federação Russa?

Quanto a isso, nenhum trauma. Sei muito bem dizer “não sei”, quando não tenho noção da resposta de alguma pergunta feita. Mas o que realmente me tocou foi a preocupação da estudante a respeito dos rios. Por falar em trauma, essa “preocupação hidrográfica” nasceu de sua experiência em um vestibular famoso (UFU).

A pergunta do referido vestibular era sobre quais os países que o rio Reno banhava. Para um aluno que se depara com uma pergunta dessa, é natural que se preocupe com a importância do Volga. Aliás, é hiper-natural que, em qualquer situação, elementos naturais como os rios tenham superimportância (êta neurose…). Afinal, lição tida do vestibular: “tenho muito o que ainda saber sobre a hidrografia mundial”.

Essa Geografia, que requer memória boa, há muito já está ultrapassada. Mas ainda é praticada em muitos vestibulares. Bons ventos, vindos principalmente da UNICAMP e da USP, mostram uma outra geografia, muito mais preocupada com o raciocínio do que com a memória. Muito mais preocupada com o uso das informações do que com a absorção delas.

Aliás, sobre importâncias de rios, acho o Mutuca, um ribeirão que passa alguns metros de minha casa, muito mais importante que o Volga. O Fernando Pessoa, um dos maiores poetas portugueses, provavelmente iria concordar comigo:

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia“.

A doença

O ar condicionado do consultório estava lhe incomodando. Como se não bastasse aquele branco excessivo das paredes e a artificialidade dos quadros com paisagens de inimagináveis lugares.A médica, em ar pomposo, óculos caindo sobre o nariz, lia seu prontuário com ar severo. Depois de alguns minutos, sua voz rouca, demorada e cheia de autoridade ecoou pela sala:

– Alguém está com a senhora?

Pronto. Vai me dar uma notícia ruim, pensou. E era só uma verruga. Uma verruguinha…

– Não, doutora… Mas o que é que eu tenho?

– Eu preferia falar com alguém da família antes. Pra senhora não ficar tão preocupada.

– Mas já estou preocupada, doutora! O que é que eu tenho?

Uma pausa constrangedora. O breve silêncio da doutora dizia que era algo ruim, muito ruim. Só podia ser. Quanto tempo de vida ainda teria? E os netos para criarem? Agora que nascera o segundo e com Mariinha, a caçula, grávida pela primeira vez….

– A doença não é grave quanto o nome possa parecer, minha senhora. É uma espécie de câncer.

– Câncer? CÂNCER?

Enquanto desfalecia, ouvia a doutora falar de um tal de câncer de pele. As vistas escureciam. O som ambiente diminuía. Pontadas no peito dizia algo que ela, que pouco entendia de medicina, sabia muito bem o que era.

Câncer de pele. Uma microcirurgia acabaria com seu problema. Microproblema. Grave era o coração.

Quase…

Tive um mal estar súbito (não, nada que lembre ‘morte súbita’). Um apagão. Pausa no sistema nervoso.Resultado? Uma queda, quatro pontos no supercílio e um maxilar superdolorido. O médico suspeitou de hipoglicemia ou conseqüência do stress diário.

Gostaria que os exames confirmassem a primeira suspeita. Seria ótimo escutar “coma muito doce”… Mas acho que é efeito de stress mesmo. Houve semanas em que contabilizei 60 horas trabalhadas.

(Ficaria feliz em saber o que meu colega Claudimir, professor de Matemática do Colégio Ômega, faz para sobreviver às 64 horas semanais rotineiras de trabalho.)

Mas, enfim, procurarei ter uma vida mais light a partir de agora. Sem horas extras, sem preocupações adicionais. O que tiver de ser, será.

Humpf!

Em conversa com uma apreciada amiga poetisa, concluimos que os poemas fluem em maior naturalidade quando o poeta passa por momentos de sentimentos intensos. Muito feliz ou muito triste, eis os estados ideais.Queria que fossem estimulantes também outros estados. Nojo. Horror. Cinismo frente a tolices. Ironia frente a futilidades. Sarcasmo frente a ignorância e burrice (viva Nietzsche!).

Mas parece que, com esses sentimentos, qualquer poema fica travado. Somente poetas de qualidade sabem filtrar esses estados de espírito. Quem não sabe, desiste de escrever poemas irônicos. Quem não sabe, prefere escrever bobagens. De preferência em blogs.

Eis o caso. É isso aí.