À espera de um milagre (ou seria de um epitáfio?)

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está moribundo, quase em coma. Fundado por Vargas no distante ano de 1938, tinha como principal objetivo pesquisar o território brasileiro – estatística e geograficamente .

Importantes geógrafos internacionais colaboraram na sólida constituição que o IBGE teve da sua criação até o final da década de 1960. Intelectuais renomados como os franceses Francis Ruellan e Pierre Mombeig, o estadunidense Preston James, o alemão Leo Waibel, forneceram subsídios teóricos e metodológicos para a púbere geografia moderna brasileira instalada no seio ibegeano. Em alguns casos, isso acontecia pelas orientações em mestrado e doutorado. Em outros, com a mão na massa mesmo, através de pesquisas de campo feitas em conjunto com o IBGE.

Esse grupo de geógrafos estrangeiros influenciou uma lendária geração de geógrafos brasileiros dos trinta primeiros anos do IBGE. A nata da Geografia estava no órgão. Nilo Bernardes, Pedro Geiger, Spiridiao Faissol, Fabio Soares de Macedo, Orlando Valverde, José Veríssimo, entre outros, foram exemplos de que discutir Geografia nesse período sem citar o IBGE é falar de futebol sem citar a seleção brasileira. Sem exagero.

No início dos anos 70, uma equipe de mais de trezentos geógrafos e economistas de debruçavam em pesquisas regionais ou em análises de censos demográficos e econômicos. Dessa equipe, boa parte eram mestres e doutores. Até aí, a Geografia sobrevivia com certo status dentro do órgão. Nos anos seguintes, os fatos contrariaram o ditado popular de que, em alguns casos, se perde a coroa, mas não a majestade. A Geografia perdeu ambas. Basta lembrar que após o governo Médici, a contratação de geógrafos simplesmente cessou.

Para piorar a situação da Geografia, houve um certo desinteresse por estudos regionais. Era a valorização por excelência das políticas macroeconômicas. De preferência sem especificar as absurdas disparidades regionais cada vez maiores, apesar do ‘milagre
econômico’, claro.

O IBGE se transformou numa imitação pálida do que fora outrora. Patética, até. Se atentasse para a própria decadência, há muito haveria retirado o G de seu próprio nome. Hoje, nem o E se sustenta mais. O simples serviço de estatística agropecuária não será mais feito. Resumindo: não há mais razão para esse órgão continuar existindo. Não nessas condições, de achatamento progressivo do orçamento.

Completou-se dez anos sem Censo. A radiografia da economia agrícola brasileira não será feita esse ano por absoluta falta de dinheiro. Segundo o presidente da instituição, o órgão trabalhará com estimativas – ao invés dos dados censitários. Se troca o eficiente Raio X por um duvidoso filme negativo.

Em tempos de loucura pelo superávit primário e pelas surpresas do caixa dois, uma saída mais simples e menos cara: contratar o IBOPE. Ou o DataNexus – mas por preço de um IBOPE. A diferença de valores pagaria despesas do Partido que estiver no poder. Ou o meu mensalão, pois a idéia foi minha. Ora pois.

Advertência: além de estragar penteados e matar muçulmanos, fenômenos naturais destroem salões de beleza e igrejas cristãs

Fonte: FolhaImagem

O furacão Katrina está despenteando as cabeças estadunidenses – independente de serem ateus, agnósticos ou financiadores do “The 700 Club”.

SSoB antecipou uma análise que deveria ser feita pelos religiosos comedores de sanduíche de pasta de amendoim ou pelos religiosos homens da TFP. Se o tsunami foi um castigo divino aos muçulmanos pelas maldades cometidas contra os cristãos, Katrina nada mais é que um aviso aos adoradores do elefante de que o patrãozinho está sendo muito malvado.

Provando que tenho uma imaginação fértil: não é que Katrina consegue formar a letra G, de God? Prova concreta de castigo celeste, não? 😉

Exageros e simplificações

Ellem Semple deu uma ‘exagerada’ nas idéias de Ratzel. Muitos falam que a geógrafa ‘vulgarizou’ o mestre alemão. Constituiu-se, assim, numa amostra de até onde uma tese interessante pode ser deformada. Infelizmente, deformação teórica como essa não tem nada de incomum.

Nos países subdesenvolvidos, por exemplo, foi muito aceita a idéia de que os países desenvolvidos exploravam os países pobres. E isso dentro de um tosco marxismo que só via opostos irreconciliáveis em tudo (é dessa safra a confrontação de uma ciência burguesa com uma ciência proletária). Aceita essa tese, devemos imaginar que um John Smith qualquer, morando pelos becos do Brooklin, explora a família Setúbal. Difícil, muito difícil.

Mais desvairada foi ainda a teoria um dia defendida por A. Toynbee, paparicado historiador inglês. Adaptando fielmente o jargão ‘explorado/explorador’, classificou as nações em países burgueses e países proletários. Como se não existisse burguesia nos países do dito ‘Terceiro Mundo’… Quanta simplificação, não?

De Haushofer a Broek. Da Geopolítica ao Determinismo Ambiental

Karl Haushofer foi um dos principais teóricos da geopolítica. Editor do periódico Zeitschrift für Geopolitik (Revista de Geopolítica), reuniu em torno de si importantes geógrafos alemães. Apesar de muito lembrado, Haushofer pouco ofereceu de contribuição inédita para a discussão do tema. No geral, suas idéias abrigavam conceitos já defendidos por, entre outros, Harford Mackinder, Friedrich Ratzel e Rudoph Kjellen.

O geógrafo Halford Mackinder se tornou célebre por seu conceito de Hinterlândia. Claramente comprometido com o imperialismo britânico, Mackinder se preocupava sobretudo com a relação entre os grandes impérios e o espaço geográfico. É dessa preocupação que surge os estudos que dariam origem à tese do ‘heartland’. O estudioso inglês argumentava que, ao dominar a ‘terra-coração’, as áreas-pivôs, se dominava todo o território nas imediações. Apesar de ter sua carreira coroada com a vice-presidência na prestigiada Royal Geographical Society, sua produção eminentemente geográfica é pífia.

O primeiro a conceituar geopolítica, todavia, foi o jurista sueco Rudolph Kjellen. Discípulo assumido de Ratzel, foi fortemente influenciado por sua Teoria do Espaço Vital (lebensraum), a qual defendia que o Estado deve procurar o exato equilíbrio entre as necessidades da população e os recursos naturais disponíveis; isto é, caso a população carece de mais recursos, é natural que o Estado incorpore novos territórios. Ratzel foi, sobretudo, considerado o ‘pai’ da geopolítica. Escreveu vários livros sobre ciência política, entre eles “O Estado como uma forma de vida”. Como este título denuncia, aproximou a geopolítica de uma perspectiva biológica.

Aproximação que não era nenhuma novidade, visto que a biologia era a ‘mais-mais’ das ciências. O próprio Ratzel admitia a preponderância da Biologia, entendendo, como Kjellen, o Estado como um organismo biológico. Mas a contribuição de Ratzel foi muito além da geopolítica: introduziu o homem na Geografia onde antes havia uma privilegiada temática naturalista. Um homem naturalizado, é verdade, mas houve um inegável avanço.

Ratzel era o patrono da escola geográfica alemã. Logo, o ‘pai’ do determinismo, seguindo a lógica de Lucien Febvre, historiador francês, pioneiro na identificação determinista ratzeliana. Um exagero, para dizer o mínimo. O mesmo comentário não se sustenta quando se refere a Ellen Semple, ardorosa discípula do mestre alemão. Escrevendo ‘American History and its Geografics Conditions’, Semple defendia a inexorável influência do meio físico nas características humanas, determinando condutas morais e econômicas de qualquer grupo social. Professora em Harvard, após seu falecimento, ocorrido em 1932, o curso de Geografia foi encerrado.

Apesar do entusiasmo de Semple, que lembraria algo inédito, as idéias deterministas remontam a longa data. Exemplo é o que não falta. Hipocrates dizia que a falta de coragem e vontade guerreira dos asiáticos se deve a pouca variação das estações (não viveu o suficiente para conhecer Gengis Khan). Já Montesquieu argumentava que o frio deixa o homem com uma confiança maior em si próprio, sendo, portanto, propenso ao papel de dominador – o inverso acontecia com as populações tropicais (descobri a razão de minha índole masoquista…). Le Play, Demolins, Tocqueville, Buckle e uma plêiade de outros escritores fazem eco a essas teorias –se valendo para justificar políticas coloniais, neocoloniais e imperialistas.

É com muita propriedade que o Prof. Jan Broek, da Universidade de Minnesota, se pronunciou sobre o determinismo ambiental. Gosto tanto que faço de suas palavras as minhas: “Ninguém nega a significação do clima, solo, água ou características da superfície para a humanidade. Mas explicar a variedade do comportamento humano simplesmente pela diferença do ambiente físico é uma forma de adoração do sol”. Sensatez nunca é demais.

Milton: será que ele é?

No Orkut, há comunidades para todos os tipos de gostos. E também para todas as manias. Há quem goste de chuchu e existe também quem ama Hegel. Lá encontramos defensores de loiras inteligentes e quem acha que a saída do Brasil é voltar aos anos de chumbo. Enfim, o Orkut é uma fauna exótica e exuberante.

A geografia está lá. Com muita gente séria, com muita discussão boa. Mas também com uma seara de joio, bobagens e trivialidades.

Qualquer discussão sobre Geografia, o nome de Milton Santos é quase sempre citado. Por bem ou por mal. A comunidade para discussão de seu pensamento é tão grande quanto aquela voltada para debater a Geografia.

Independente a essa comunidade, existe uma outra, também vinculada ao seu nome, mas com propósito diferente. São legítimos contestadores da importância de Milton para a Geografia. Mas não pense que apareça alguma teoria que negue os fluxos e os fixos, a rugosidade do espaço, ou outra idéia geográfica associada às pesquisas do estudioso brasileiro. Não. Pelo contrário. São questões do tipo “será o Milton geógrafo?”, “Milton deu quantos chiliques?”, ou simplesmente eu-odeio-o-Milton-porque-ele-escreve-muito-difícil-e-é-muito-prepotente.

A primeira questão é, de longe, a mais levantada pelo grupo. Como pode uma pessoa que não tem registro no CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) ser intitulada de geógrafo (quanta heresia…)?

Desdobrando essa trivial descoberta, desvendaram também que nem sequer advogado Milton era, pois não tinha registro na OAB.

Isto é: não basta ter conhecimento notório, não é suficiente o reconhecimento de suas pesquisas, não é levado em conta títulos e mais títulos de “doutor honoris causa”. Qualquer graduado chinfrim em algum medíocre colégio de 3º grau por aí pode orgulhosamente ostentar o título de geógrafo. Menos o Milton, Humboldt, Ritter, Josué de Castro. Mesmo escrevendo “Geographicae” em 17 volumes, Estrabão nunca foi e nem pode ser considerado um geógrafo.

Por conclusão, jamais houve Geografia antes do século XIX. Essa data no Brasil ainda é mais recente (década de 1930).

Querem por lei garantir um “status” exclusivo para si e inacessível aos que realmente fizeram a Geografia. Seria inveja? Aliás, o que seria da Geografia Brasileira se excluíssem dos anais da História do Pensamento Geográfico no Brasil os estudos feitos por aqueles não-registrados no CREA?

O pior de tudo é ver na comunidade um graduando em Direito dar lições básicas do pensamento de Milton a bacharéis em Geografia, provavelmente registrados no CREA. Traduzindo: os sabichões “creanos” não conhecem sequer o pensamento geográfico. E querem para si, somente para si, o título de Geógrafo.

A continuar assim, os graduandos em Direito, Economia, Ciências Sociais e demais ciências humanas estarão cada vez mais próximos da Geografia epistemologicamente de que nós próprios, os geógrafos.

É lastimável.

O homem NÃO destrói a natureza

Pois é. Se seu humor for mais alto do que a média, diria que a frase está correta. Afinal, a mulher também colabora na malvada ação. Mas não se trata disso. O homem, nesse caso, fica valendo do bondoso recurso gramatical de atribuir ao masculino todo o gênero da espécie.

Reafirmo então: o ser humano não destrói a natureza. E isso não poderia surpreender. Ou pelo menos não devia, pois nesse caso há uma generalização simplória e ingênua.

Pensemos, pois, no avanço das madeireiras em territórios indígenas aqui na região Norte. Tanto o madeireiro quanto o índio são seres humanos. Mas um deles exerce sua ação na natureza com maior impacto significativo.

Imaginemos agora, a mesma espécie, Homo sapiens sapiens, a dois mil anos atrás. A intensidade dos problemas ambientais era obviamente nulo comparado com o atual. Isto é, o mesmo ser humano se relacionava com a natureza de forma diferente.

O homem, então, é diferente do mandruvá. A história social da humanidade imprime características próprias na espécie. O mesmo não ocorre com o bichinho verde nojento. Desde quando apareceu no mundo, não faz nada mais do que comer, dormir e…., bem, e dormir.

Logo, chegamos a uma conclusão: os seres humanos são os mesmos, mas a sociedade, a organização social é que faz a diferença.

No nosso caso presente, a sociedade capitalista, industrial e consumista tem no lucro sua espinha dorsal. Historicamente, temos percebido que o lucro mais cultura de consumo é igual a menos recursos naturais e mais lixo.

A natureza é vista, traduzida e relida em cifrão. Quanto mais eficiente sua exploração, mais riqueza acumulada. Pela natureza conflituosa da velha relação capital-trabalho, a riqueza acumulada pelas corporações é apropriada por alguns. Somente.

Em um mundo onde prevalecem as mega-empresas, a poluição é majoritariamente industrial, direta e indiretamente. Todavia, há um esforço concentrado em deixar a consciência de todo indivíduo pesada.

Às vezes me sinto responsável pelo buraco na camada de ozônio, vejam só…

A Terra, esse planeta coletivo, deixa de ser de todos. Ou, pelo menos, fica sendo mais de alguns do que de outros. Privatizam a riqueza e coletivizam os problemas ambientais. Querem mesmo é que alguém (nós) pague o pato.

11 de setembro, o retorno (II)

A grande quantidade de flores em embaixadas britânicas do mundo inteiro me fez pensar em como sou frívolo e superficial. Não deveria mandar alguma? Foi com amargo na boca que vi a cena. Já suspeitam de mais de sete dezenas de vítimas no atentado.

O terrorismo é o mal do século XXI. Essa idéia já vem ganhando adeptos na grande imprensa. A repetição por indefinidas vezes faz a frase ficar verdadeira. Nem ao menos passa em nossa cabeça alguma outra visão diferente a respeito do terror.

Passo, pois, a procurar no dicionário. E lá está a definição:

Terrorismo sm. Modo de coagir, combater ou ameaçar pelo uso sistemático do terror.

Terror sm. 1. Estado de grande pavor. 2. Grande medo ou susto.

Assim definido, pensemos em duas situações prováveis:

Situação 1: jornais estadunidenses noticiaram que a Al Qaeda estava interessada em atacar alguma cidade do interior do país de Tio Sam. Boa parte da população ficou com os nervos à flor da pele. A paz real recebe a intromissão de algo estranho, incômodo.

Situação 2: desde a invasão do Iraque, explosões violentas se tornaram comuns. No medo presente e real, paz é algo sonhado, utópico.

Em uma das situações, o terror se manifesta com mais força. Mas nossa sensibilidade contraria nossa razão. Choramos pelo terror em menor proporção.

Vejo mães, filhos e amigos chorando as vítimas na Inglaterra. Num esforço, tento imaginar quantas centenas de órfãos e de pais desesperados as imediações do Eufrates e do Tigre tem conhecido. Sem nenhum tipo de cobertura da nossa independente imprensa, o esforço fica só na imaginação mesmo.

Comprarei flores. Os iraquianos merecem. A sanguinária ditadura de Saddan, a bárbara invasão ianque e a estupidez da violência dos rebeldes no Iraque mostram onde, de verdade, estão os apavorados pelo terror. Aproveito as lágrimas brotadas pelos atentados londrinos para chorar pelos iraquianos.

Maktub!

11 de setembro, o retorno

Repeteco quase quatro anos depois, agora em Londres. Os agressores não quiseram esperar quatro dias. Corriam o risco de alguém cantar parabéns e receberem um presente. Presente para os terroristas? Pode ser uma bomba arrasa-quarteirão. Afinal, temos que mostrar aos extremistas que nós, os moderados, somos capazes de tanta violência quanto eles. Imaginem se fossemos radicais…

 

O Ocidente está pagando pela burrice de ter se lançado vorazmente em territórios onde há tanta nitroglicerina. As arábias não são repúblicas de Bananas com seus bananas ao sul do Rio Grande. Estão longe disso. E bicudos não se bicam, não é verdade? Bush e Blair, os estúpidos-mor. Laden, o estúpido mas com a sincera cara de vilão.

A civilização européia-judaico-cristã, ainda crente de que se ganha tudo com ferro e fogo, está sendo duramente fustigada. Anos de imperialismo, embriagados pelo poderio econômico e bélico, deixaram os ocidentais cegos. Não perceberam que o preço de se ter nariz grande é morrer sem cabeça.

Quem paga? Quem não tem nada com isso. São os trabalhadores ingleses e espanhóis usuários de metrô, os cidadãos iraquianos ou os bombeiros e office-boys americanos no Word Trade Center que passam o recibo. Estúpidos por estúpidos, os brasileiros são melhores (“o melhor do Brasil é o brasileiro”, não é?). Lascam a sua vida, mas não acabam com ela. Te negam hospitais e escolas públicos de qualidade, mas não jogam granadas sem pino em você, nem explodem metrôs.

 

Com caras de otários, escutamos Mr. Bush dizer que quem mata inocentes tem demônio no coração. Logo ele, que é capaz de deixar birutinha qualquer demômetro*. E já aponta raivosamente para a Al Qaeda. (“Tudo ela, tudo ela…”). Provavelmente seja. Mas podem ser os franceses, ainda grilados por terem perdido a sede das olimpíadas em 2012 .

 

(tem gente que deve estar mais aliviado: a pauta principal dos jornais não vai ser mais mensalão)

 

* Demômetro: aparelho inventado e patenteado pelo famoso padre Quevedo. É capaz de detectar a presença de microsatãs em uma distância de até 500 metros. Não funciona na esplanada dos ministérios.