Tropinha, retroceder!

O professor Simon Schwartzman referendou uma tese problemática. Entrevistado pela Revista Veja em um artigo que, futuramente, quero comentá-lo, Simon emprestou seu prestígio a uma frase infeliz. Diz o sociólogo:

As crianças não aprendem mais o nome dos rios ou as datas relevantes da história da humanidade. Elas estão tendo contato com uma ciência social superficial, marcada pela crítica marxista vulgar.

Cabe, aqui, uma reminiscência: quando professor, frequentemente escutava isso de pais de alunos. Aquela história do pai querer para o filho a escola que um dia teve. Ressuscita, nesse caso, a esquelética e ultrapassada geografia nomenclatural, decorativa e insossa. Ignoro, nesse caso, que não havia nenhum pai do gabarito do Dr. Simon.

Uma professora, indignada pelo endosso de Schwartzman a essa contraditória idéia, enviou-lhe um e-mail. A mensagem foi reproduzida no blog do sociólogo.

Estranhamente, Simon reconhece a evolução da historiografia mundial, trazendo à baila a matriz francesa (Fernand Braudel, Marc Bloch e Lucien Febvre), indicando as fontes renovadoras do ensino de história tradicional; no entanto, talvez para salvar a esperta seleção da frase feita pela reporter da Revista, concluiu que:

1. A adaptação das diversas tendências da História no currículo escolar é problemática;

2. Um bom curso de história deveria oferecer, além “do contexto e interpretação dos grandes processos sociais”, um referencial claro de eventos e fatos históricos delimitados numa espécie de “linha do tempo”.

Sobre a primeira conclusão, embora a entenda, acho a idéia um tanto quanto pelega; nesses termos, a disciplina escolar é um mero desdobramento de uma disciplina científica. Essa proposta foi muito difundida pelo matemático francês Chevallard. Em outro polo, acho mais coerente – até mesmo considerando as diversas culturas escolares que moldam o saber escolar – a proposta do também francês Andre Chervel, ao considerar que inúmeros fatores contribuem para a identidade de uma disciplina escolar – que não somente a disciplina científica de referência.

A respeito da segunda conclusão, Simon contradiz o que a Revista Veja afirma. A crítica estampada no texto da matéria foi clara: substituiu-se no ensino de história, e imprudentemente, o estudo das datas pela análise dos processos históricos. Como consequência, abriu-se espaço para um marxismo crítico vulgar, esse mal-que-assola-o -mundo-pós-moderno. Tudo assim, fácil e rapidinho.

Ora, parece-me mais que foram duas pessoas depoentes. Uma, na Revista Veja, acha que devemos voltar a ensinar fatos, nomes, etc. (só faltou lembrar dos ‘heróis pátrios’). Outro, no blog, acha que é seminal um ensino de história que considere o processo, mas sem ignorar um ‘mapa’ (para usar a expressão de Simon) dos eventos mundiais mais importantes.

Se na História a crítica ficou, assim, meia-boca, a fragilidade é inconteste quando a Geografia entra na roda. Sustenta o professor:

Na geografia, o problema é parecido. Mais talvez do que a história, o que era antigamente geografia está hoje dividido entre muitas disciplinas diferentes – cartografia, geociências, botânica, economia regional, demografia, sociologia urbana e sociologia rural, entre outras. Os franceses, sobretudo, com sua excelente tradição de ensino, desenvolveram uma geografia para as escolas que procura ser uma síntese didática de tudo isto, com um forte elemento descritivo – é aí aonde os alunos aprendem como são os continentes, os países, as principais formações naturais, os sistemas políticos e econômicos, como o território é ocupado pelo homem – e, claro, quais são os principais rios, e a importância que têm.

A Geografia Francesa que o Simon se refere teve seus fundamentos abalados há mais de trinta anos. Geografia, enquanto síntese, já nem se discute mais nos círculos acadêmicos. Excelente tradição de ensino da Geografia francesa é outra coisa questionável, também. Tivesse o professor lido esse livro, publicado há décadas, não diria tal disparate.

Enfim: caso queira entender, realmente, como anda a situação da Geografia Escolar francesa, é interessante ler esse livro, especialmente o capítulo cinco (O ensino de Geografia na França). Há, também, uma excelente dissertação de mestrado sobre a situação atual do ensino Geografia nas escolas francesas, disponível para download em três partes. Mas, em todo caso, se for um entusiasta incondicional de uma geografia nomenclatural, melhor deliciar-se com o vídeo abaixo:

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Sustentabilidade ambiental empresarial? Humm…

Já havia escrito algo mais ou menos nesse sentido. Deixei escapar um sorriso meia-boca ao ler na Folha de S.Paulo ontem:

Impulsionada pela oscilação econômica, a arquitetura sustentável é, em grande medida, um álibi politicamente correto para uma era de vazio ideológico, de ausência de qualquer compromisso social coletivo. Construindo edifícios autenticados pelo selo moral de “ecologicamente responsável” e obtendo subvenções econômicas por isso, as grandes empresas se eximem de discutir a fundo o funcionamento das cidades: a organização fundiária, o transporte individual motorizado, a poluição dos rios e o espalhamento da mancha urbana atraído pela especulação imobiliária. Fica evidente que, nesse contexto, o edifício ecológico é apenas um paliativo.
Mas o que há por trás dessa cortina de fumaça? Aparentemente, um modo de simplesmente manter o “laissez-faire” capitalista, dando-lhe um verniz politicamente correto. Quer dizer: transformar a ecologia em publicidade voluntarista, do tipo “faça você mesmo”, enquanto se sabe que as grandes decisões futuras se darão em âmbito macroeconômico, na disputa velada por reservas alternativas de energia, matéria-prima e água.

Artigo completo, by Guilherme Wisnik, aqui.

Chavez, Fidel e o etanol

Chavez e Fidel manifestaram-se contra o incremento da produção de etanol. Está em jogo, evidentemente, o papel central exercido pelo petróleo na sociedade moderna – e esteio da economia venezuelana. Rasteira é a argumentação: novos usos para a produção agrícola prejudicariam o abastecimento e consumo humano.

Primeiro equívoco é considerar que há um risco de escassez de alimentos. Isso não é verdade. Pelo contrário: já se tem sublinhado algum tempo que o problema não é de produção de alimentos, mas a sua correta e justa distribuição.

Pensar que a produção de matéria prima para o etanol concorrerá com a produção básica de alimentos corresponde a uma outra idéia equivocada. Muito provavelmente, o etanol será abastecido com cana de acúcar de extensos plantations. E – como bem demonstra Antonio Adriolli – não é a ‘forte agricultura’ a principal responsável pelo feijão e mandioca cotidianos na nossa mesa.

'Meme': três atitudes ecoconscientes

Meu trabalho vez por outra me deixa off-line. Por essa razão, estou atendendo tardiamente ao ‘meme’ proposto pelo ‘Faça sua parte’ e à intimação feita pelo Mestre Edu.

Cito abaixo três atitudes ecologicamente saudáveis já desenvolvidas/estimuladas:

1. Recuperação de nascentes: moro em uma cidade pequena – pouco menos de cem mil habitantes – muito bem servida de cursos d’água. São três córregos, dois deles com nascentes dentro da área urbana. Uma das nascentes estava bastante degradada. Mobilizamos a comunidade para recuperá-la e preservá-la.

2. Implementação de coleta seletiva do lixo nas escolas: através de projetos de educação ambiental, instituímos a seleção do lixo interno. A proposta foi apresentada a prefeitura prevendo tanto a possibilidade de expansão da coleta como política urbana efetiva quanto estudo para viabilizar uma usina de reciclagem do lixo.

3. Monitoramento do gasto com água em diversas instituições públicas: em alguns casos, percebemos que havia gasto excessivo. Técnicos da empresa de abastecimento de água constataram vazamento nas tubulações.

Vejam que não são ações inéditas, pioneiras. São, sobretudo, exeqüíveis e necessárias na maior parte das cidades médias brasileiras. É isso.

Ainda o relatório IPCC/ONU: discussões na blogosfera

Ricardo Safra agrupou os principais argumentos debatidos na blogosfera a respeito do Relatório IPCC/ONU em dois grandes grupos (consoante x contrário às conclusões do relatório), subdivididos cada qual em mais dois (radicais e moderados).

Evidentemente, é uma classificação genérica, uma vez que não congrega todos os matizes, mas bastante didática, principalmente para aqueles que não acompanharam toda a discussão.

Como já escrevi aqui, a leitura que faço dos dados climáticos me levam a concluir que há, sim, uma progressiva elevação na média da temperatura terrestre. Isso me coloca, portanto, no primeiro grupo.

Mas fechar fábricas e considerar o capitalismo perverso? Tô fora. Não faço parte, portanto, dos defensores radicais da ‘teoria do aquecimento global’. Como acho que é possível usar racionalmente os recursos naturais e, também, pensar em um novo modelo de desenvolvimento, estou – dentro desse esquema hipotético – nas fileiras dos moderados.

O bom dessa história é que, caso nossa aposta esteja equivocada, não comprometemos o destino do planeta.

Relatório IPCC/ONU: e agora?

Como esperado, o Relatório IPCC/ONU foi um prato cheio para a pauta da mídia nossa de cada dia. Há, por um lado, o risco de imobilidade e fatalismo na abordagem. Vi em um telejornal, por exemplo, menção ao fato de que, mesmo se toda a atividade poluidora cessasse, o processo de aquecimento global só amenizaria por volta de 2100. Ao senso comum, isso indica um sonoro ‘já tá tudo perdido, então’.

Outro ponto interessante que o Relatório poderia suscitar é a responsabilidade local dos problemas globais. Apesar dos efeitos serem mundiais, é na instância local que problemas ambientais ocorrem amiúde. Corresponde a pensar globalmente e agir localmente, só pra usar um jargão ambiental. Daí a importância da descentralização da gestão ambiental.

Tradicionalmente, as decisões de gestão ambiental são tomadas em um nível macro, em instância federal, de onde parte as diretrizes e normas de fiscalização ambiental. Ou pelo menos eram assim até o segundo mandato de FHC, que compartilhou a responsabilidade da gestão ambiental com os municípios. Um passo importante, desde que os recursos financeiros sejam, da mesma forma, descentralizados.

Embora seja evidente que uma legislação ambiental moderna e aplicável é salutar na repressão a agressão ao meio ambiente, é preciso avançar na criação de uma nova cultura, de novos padrões de convivência sócio-ambiental. É o modelo de desenvolvimento e de consumo que está em jogo. Torna-se importante que cada um entenda o seu espaço local como espaço de vida, não de consumo.

Uma das formas de se exercitar essa nova cultura passa pela dinamização do espaço local. Identificam-se os focos de desequilíbrio ambiental e, através da organização comunitária, propõem-se ações. Os melhores resultados dos movimentos ambientais têm sido extraídos desse modus operandi. É a partir daí, rua por rua, bairro por bairro, cidade por cidade, que teremos condições de agigantar ações aparentemente ineficientes, mas com excelentes resultados em longo prazo.

O fim do mundo? O Relatório IPCC/ONU

Quando criança morria de medo do fim do mundo. Entre a molecada, havia aquela história misteriosa do cataclismo apocalíptico no ano 2000. Por aqueles tempos, havia o perigo nuclear iminente (‘sabe quantas vezes o mundo pode ser detonado só com as ogivas nucleares?’) e um aceno para a globalização das preocupações ambientais. Daí veio informações em massa da camada de ozônio. Efeito estufa. Ilhas de calor. Noticiários de poluição, queimadas, desmatamento. Diariamente.

Com a divulgação do relatório do IPCC/ONU (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas/Organização das Nações Unidas) contendo previsões catastróficas para o nosso planeta, os anúncios apocalípticos são claros. São perceptíveis, concretos. Um sinal de que a sociedade industrial, como a conhecemos hoje, é um projeto insustentável para o futuro. Entre o que o relatório aponta como fato e o que provavelmente acontecerá, não há nenhuma constatação ou previsão que nos deixe otimista.

Abaixo, resumo via UOL:

O QUE JÁ ESTÁ ACONTECENDO:
– 11 dos 12 últimos anos foram os mais quentes da história
– Oceanos absorvem 80% do calor excedente gerado nos últimos anos, ajudando a aumentar o nível do mar
– Montanhas glaciais e geleiras vêm derretendo em ritmo recorde
– O nível do mar subiu 1,8 mm entre 1961 e 2003; entretanto, entre 1993 e 2003, a média de alta no nível do mar foi de 3,1 mm por ano
– Temperatura na região ártica dobrou nos últimos 100 anos
– Desde 1978, a cada década quase 3% da camada de gelo do Pólo Norte derreteu, contribuindo para aumentar o nível do mar
– Nível das chuvas cresceu de forma alarmante nas América do Norte e do Sul, no norte da Europa e no norte e no centro da Ásia
– Secas aumentaram no Sahel, Mediterrâneo, sul da África e partes do sul da Ásia
– Água do mar no hemisfério norte tem ficado mais fria; no hemisfério sul, o grau de salinidade aumentou
– Aumentou o número de dias quentes e diminuiu a quantidade de nevascas e dias de baixa temperatura
– Desde 1970, aumentou a incidência de tufões e furacões no Atlântico Norte

O QUE DEVERÁ ACONTECER:
– Temperatura deve aumentar entre 1,8 º C e 4 º C ao longo dos anos
– Até 2010, nível do mar deve aumentar e, cerca de 59 cm
– Chuvas devem aumentar em cerca de 20% nas maiores latitudes
– Corrente do Golfo, do oceano Atlântico, diminuirá em cerca de 25% durante o século, mas não impedirá aumento de temperatura

De tudo isso, fico ressabiado de que toda a avalanche midiática que virá naturalize o problema, assumindo uma condição fatalista, e, como expectadores, assistamos – além da bala perdida [ou não tão perdida assim…] em nossa direção, já uma coisa factível – o fim do mundo de camarote.

Mobilizemos, portanto: nas escolas, nas ruas, nos campos, nas construções (parafraseando aquela música famosa do Vandré); nos partidos, nos sindicatos, nas igrejas, nas ong’s. Problemas sociais exigem pressão social. Daí, problemas ambientais podem passar de ‘discursos de intenções’ para uma ‘agenda de ação’ na pauta do dia dos líderes de Garanhuns à Nova Iorque, de Tuvalu aos Estados Unidos, do Bar do Zé à Nestlé.

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Há um astrônomo russo afirmando que não é nada disso que todo mundo tá pensando. O calor tá assim por conta ‘da prolongada atividade solar‘. Lunático ou gênio? Considerando toda a pesquisa acadêmica já realizada, é bem provável que uma aposentadoria lhe fará bem. Assim como licenciar seu sobrenome pra qualquer vodka que deixe o indivíduo doidão, contradizendo evidências e fatos quase consensuais.

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Excelentes discussões sobre o tema em Faça a sua parte. O banner vai pra lateral já, já. Assim que eu descobrir como…

Anamorfose cartográfica

A anamorfose é uma técnica utilizada na cartografia e responsável pela maioria dos “mapas estilizados” que vemos com freqüência atualmente. Essa técnica não se preocupa, exatamente, com a forma e o tamanho do espaço a ser representado: os fenômenos em si que recebem maior atenção. Assim, procura-se demonstrar proporcionalmente o dado relevante a que se propõe o mapa. Abole-se, portanto, a ortodoxia da representação consagrada pela geometria espacial euclidiana. Abaixo, um mapa demográfico construído observando essa técnica:

Aqui, mais mapas elaborados através dessa técnica.