Faroeste urbano

Foi através dos pequenos livros de bolso da Editora Monterrey que tive contato, ainda criança, com a poeira do Texas, os cavalos selvagens do Oklahoma e os bravos sioux de Dakota do Sul. Enfim, desbravei uma terra sem lei, o oeste dos Estados Unidos. Os impiedosos vilões, com suas caras mexicanas, indígenas ou mestiças, eram os homens a serem derrubados. O mais rápido no gatilho prolongava sua vida até o próximo duelo. Vez por outra, o xerife – corrompido por duas caixas de uísque – se transformava em um vilão a mais, sentindo o calor do chumbo quente na testa. Ou, em outros casos, figurava apenas como decoração nessa luta do bem contra o mal. A realidade dava mostras de que o Colt45 no coldre e o Winchester na cela eram as únicas fontes confiáveis de segurança.


Estréia, em outubro, a nova novela das sete, Bang Bang. (População brasileira com mais de dezesseis anos, preste atenção. Dia 23, vote não.)


Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Filhos

Era médico, como o Roberson. Vivia nos dourados anos cinqüenta – que no interior de Goiás não eram tão glamourosos assim. Aos quarenta e cinco anos, Isaque contabilizava nove filhos. Como único médico da região, muito trabalhava – apesar da concorrência quase desleal das parteiras e curandeiros.

Sua casa não era muito luxuosa. Mas para os padrões da cidade, uma mansão. A moradia era bem localizada: de frente a praça matriz, local preferido da criançada para as brincadeiras.

De tardezinha, a molecada só parava a algazarra quando dona Ciana, a esposa do clínico, convidava toda a gurizada para se deliciarem com os açucarados nhoques acompanhados pelo suco de limão. E lá ia o bando – quase a metade sangue de Ciana.

Vez por outra, Isaque chegava junto com a dispersão dos coleguinhas de seus filhos. Ciana era danada de prevenida. Sabia que o marido chegava quase sempre cansado – e queria poupá-lo de inconvenientes. Depois dos quarenta, o marido começou a reclamar de leves enxaquecas após os expedientes – o que Ciana não conseguia entender, pois para ela médicos sempre deveriam estar com saúde.

Em um desses dias de forte dor de cabeça, coincidiu de entrar pela sala enquanto Ciana oferecia as saborosas quitandas aos moleques, sentados em torno de uma pequena mesa. Desabou no sofá, fechou os olhos, esfregou as mãos na têmpora, e assim ficou durante vários minutos.

Quando abriu os olhos, a criançada continuava sentada à mesa. Na bandeja de nhoques só havia farelinhos. Mas a jarra de suco ainda tinha o suficiente para encher meio copo. Levantou do sofá, parou próximo a mesa, encheu o copo e sorveu de um só gole o suco.

Arrumou um jeito de sentar perto da esposa. Frente a ambos, um dos meninos abaixou a cabeça assim que Isaque lhe firmou o olhar.

Olha, menino – falou firme – já está tarde, está passando de hora de você ir para sua casa.

Isaque – foi a resposta murmurada e surpresa da esposa – esse é o João Manoel, o nosso caçula!

Desenvolvimento e independência

No sete de setembro, foi recorrente a publicação de textos veiculando a situação de dependência ao subdesenvolvimento. Desses, um dos últimos (concordando ipsis literis) se encontra no Longe Demais.

Nos longínquos anos do ensino fundamental, acompanhei a substituição de uma geografia tradicional – bem retrô e cheia de decorebas – por uma geografia crítica (que, ao que parece, continua sendo surpreendentemente mnemônica). Contaminados por um marxismo torto, não era raro encontrar explicações um tanto que heterodoxas sobre as relações entre os países. Para explicar a existência de países subdesenvolvidos e desenvolvidos, a fórmula ‘países explorados e países exploradores’ saía da manga, e, como uma mágica, tudo estava explicado.

Nesse contexto, acusar os EUA de ser o explorador-mor, nosso algoz, era um passo. Diabolizá-lo ia de brinde. Como se o Estado americano fizesse curvar – por seus próprios interesses – o Estado brasileiro.

(Não pretendo prolongar sobre o conceito usado nesse post para Estado. Se eu dissesse que lá o Estado é representado pela burguesia [BINGO!], deveria reconhecer que aqui também é. E seria interessante uma burguesia explorando outra burguesia. Ou sei lá.)

Yves Lacoste, há mais de trinta anos, falava já sobre esse fenômeno. O capital hoje é transnacional e que, como tal, não respeita fronteiras nacionais. E mais: essas relações desiguais só existem porque a minoria privilegiada nos países pobres é parceira dessas mega-empresas.

Militarmente, não há dúvidas. Os EUA são o maioral, a ponto de peitar resoluções da ONU e se lançar numa guerra contra a opinião de todo o mundo. Já economicamente, a correlação de forças não permite o Estado americano se isolar do mundo. Isso: a maior potência do mundo é dependente, como muito bem lembrou Edk.

E se alguém mesmo deseja que nosso país tupiniquim seja um país realmente independente, nesses termos, lance a idéia da nacionalização das empresas estrangeiras – e reze para que os produtos brasileiros alcance o mercado mundial. É melhor retórica vazia e aplausos, não?


Sociologia de botequim acaba aqui. Estou distante 256 km de casa, a Lan-House vai fechar e eu estou muito cansado.


Sete de setembro foi um excelente dia para o contador do blog. Registrou 57 visitas. Troquei até o Extreme pelo SiteMeter, na esperança de continuar com tanta visita. Grande bobagem. Graças ao ‘Nós na Rede’, fui linkado pelos maiores figurões da blogosfera brasileira. Aí, tudo dá certo, não?

A mercantilização da educação

A montagem acima é do excelente kibeloco. Uma sátira próxima do real. Serra, um dos principais nomes da social-democracia brasileira (!), autorizou a propaganda nos uniformes da criançada que estuda em escolas municipais. José Pinotti, o secretário da educação, já faz as contas com a diminuição de gastos: 70 milhões liberados para outras demandas. Isso: a educação não é investimento, é gasto.

Cada vez mais a mercantilização penetra na educação. Além de se transformar em garoto-propaganda, o aluno é um importante consumidor em potencial. Se não conseguir se transformar em comprador, não há problema (frustração de pobre não é problema). O outdoor ambulante já contribuiu com a divulgação da marca para aqueles que realmente podem comprar.

Se causa estranheza essa nova política educacional, há tempos a mesma é familiar ao norte do Rio Grande (o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil, certo?). No Colorado, o Estado assinou um acordo com a Coca-Cola que renderá US$ 8 milhões no decorrer de dez anos. A meta das escolas é vender mais de 70 mil caixas de Coca-Cola por ano. Para isso, é facilitado o acesso do aluno a cantina em qualquer horário, oferta de máquinas de refrigerante por todo o colégio e a permissão de tomar refrigerante em sala de aula.

Já o Channel One Television patrocina material televisivo para doze mil salas em todo território estadunidense. A contrapartida das escolas é garantir que os alunos irão assistir o canal diariamente. Interessante, se não possuísse 80% da programação voltada para entretenimento, esportes e, claro, propaganda. Os investimentos em material didático cada vez mais se transferem da esfera pública para a privada – piorando visivelmente.

No Estado da Geórgia, um fato inusitado. Uma escola secundarista participava de um concurso da Coca-Cola. No momento da pose para a foto, um dos alunos retira a camiseta de uniforme (com a marca Coke) e, por debaixo, aparece a marca da concorrente, Pepsi. Resultado? Suspensão para o engraçadinho.

O ensino público nos Estados Unidos está em crise. A incompetência do Estado na área da educação é o motivo das parcerias com a iniciativa privada. É, talvez, a pior saída. Determinadas políticas de parcerias entre o público e o privado pode desobrigar aquilo que é obrigação do Estado: educação pública, gratuita e de qualidade. Não tendo prioridade, a educação entra em crise. Questão de lógica.

Tomara que não haja muita suspensão no ensino municipal paulistano.

(Post influenciado pelas leituras de Apple e Moore)

Update (15/09/2005): O Imprensa Marron publicou um excelente texto sobre o mesmo tema. Vale a pena conferir.

Sim, eu acredito!

Curioso pouco, foi só ver no blog da Dani para ir e fazer o meu teste. Impressionante. Videntes e terapeutas com dias contados…


Como você opera, age, frente aos seus objetivos e desejos:
Precisa de ambiente calmo. Quer libertar-se da tensão, de conflitos e desacordos. Esforça-se por controlar a situação e resolver seus problemas, por um procedimento cauteloso. Tem grande sensibilidade e apurada noção de detalhes.Quer causar impressão favorável e ser reconhecido. Precisa sentir-se querido e admirado. É sensível, magoa-se facilmente se não o notam, ou se não lhe dão tratamento adequado.

Suas preferências reais:
è volúvel e desenvolto. Precisa sentir que os acontecimentos se estão desenrolando de acordo com o desejado, do contrário a irritação pode levar a volubilidade ou a atividade superficiais.

Está tendo dificuldade em progredir; sem disposição para esforçar-se mais. Procura condições mais favoráveis, em que possa evitar quaisquer perturbações.

Sua situação real:
As circunstâncias são tais que se sente obrigado a transigir por ora, se quiser evitar que o isolem do afeto ou da participação total.

Insiste em que suas metas são realistas e apega-se obstinadamente a elas, muito embora as circunstâncias o estejam obrigando a transigir. É muito meticuloso nos padrões que aplica a escolha do cônjuge.

O que você quer evitar:
Interpretação fisiológica: Tensão devida a sensibilidade suprimida. Interpretação psicológica: Delicia-se com o que é de bom gosto, gracioso e sensível, mas mantém a atitude de avaliação crítica e recusa a deixar-se empolgar, a menos que possa garantir absolutamente a veracidade e a integridade. Por conseguinte, mantém controle rígido e alerta sobre suas relações emocionais, já que deve saber exatamente em que posição se encontra. Exige completa sinceridade como proteção contra sua própria tendência para confiar demais. Em suma: Receptividade controlada.

Seu problema real:
Precisa proteger-se contra a tendência para confiar demais, já que julga estar sujeito a ser incompreendido ou explorado pelos outros. Portanto, está procurando uma união de intimidade tranqüila e compreensiva em que possa haver perfeito entrosamento [N. do B.: único porém do teste. Digamos que a análise está com uns três anos de atraso, heheheh].

Trabalha para consolidar sua posição e favorecer seu amor-próprio, examinando sua próprias realizações e as dos outros com avaliação crítica e discriminação científica. Insiste em enfrentar as circunstâncias às claras e inequivocamente.

7th of September – Independence Day

É impressionante como há gente nesse mundo que insiste em obviedades. Algumas muito, mas muito irritantes, mesmo. Em feriado, então, elas assolam. Almoço óbvio, convidados óbvios, comentários óbvios.

Das duas obviedades mais ululantes, uma já aconteceu. A outra está para acontecer.

Vamos por essa última: ali na cozinha está terminando de ser aprontado o almoço. Após, pavê. É inevitável o “é pavê ou é ‘pra comê?’”. Ggrrrr…

Fato óbvio já acontecido: é fácil reconhecer que esse feriado é, talvez, um dos mais férteis em chavões. O Homem-Chavão ainda não atualizou seu blog, mas o Tas sim. E não poderia ter vindo melhor: “o Brasil está independente? De quem? Do que?”.

O que Marcelo espera que seus leitores escrevam? A julgar pela 183ª vez que essa pergunta é feita, as respostas vão ‘variar’ de “O Brasil tem apenas passado de colônia de Portugal para colônia dos EUA” a “O imperialismo capitalista americano não nos dá motivos para comemorar o sete de setembro”. Fora isso, poderá ainda ter observações supra-importantes da ‘direita anaeróbica’ (©SSoB).

Em perguntas retóricas inócuas, meus alunos da 5ª série se sairão bem. Bônus de dois pontos para quem comentar lá. Está bem na zona de desenvolvimento proximal das crianças de dez anos, como diria meu amigo Vygotsky.

Enfim, pavê só ano que vem (e Dia da Independência também, felizmente).

Evidências, evidências (II)…

Cláudio de Moura e Castro gosta muito de evidências. Na educação, estritamente. O mesmo economista não sustentaria (e creio que muitos de seus pares) as mesmas estratégias em sua própria área.

A revista para qual Castro trabalha há muito insiste sobre a imbecilidade de contrariar os interesses de Bush&Cia. O Canal da Imprensa oferece pistas para explicação desse fascínio pelo american way of life.

Do relacionamento diplomático com os EUA e o respectivo sucesso (ou não) dele alcançado temos dois exemplos recentes aqui, na parte meridional da América.

A Argentina passou recentemente por uma crise violenta. Ainda não amolecidos pelo efeito tsunami, ficamos insensíveis ao infortúnio de nossos hermanos. O criador do plano de estabilidade econômica argentino, Cavallo, foi convidado para tomar as rédeas da economia. Mesmo assim, a carruagem capotou de vez. Em tempo: a Argentina é uma parceira histórica dos Estados Unidos – mesmo após o apoio dos estadunidenses aos ingleses na Guerra das Malvinas, em 1982.

Já a Venezuela, governada pelo bufão e genioso Chavez, arrotou um populismo esquerdista em graus latitudinais bem mais próximos da Grande Potência. Ninguém duvida que Bush o considera persona non grata. Muito menos que boa parte dos republicanos, como Pat Robertson, prefere vê-lo duro e gelado. Apesar de contar com uma aguerrida oposição, a Venezuela continua na mesma vidinha pré-Chavez.

Ao contrário dos terroristas de plantão bem localizados na imprensa tupiniquim, contrariar interesses dos Estados Unidos não leva ninguém para o buraco. Lamber suas botas, sim.

Mas, convenhamos. São somente evidências.

À espera de um milagre (ou seria de um epitáfio?)

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está moribundo, quase em coma. Fundado por Vargas no distante ano de 1938, tinha como principal objetivo pesquisar o território brasileiro – estatística e geograficamente .

Importantes geógrafos internacionais colaboraram na sólida constituição que o IBGE teve da sua criação até o final da década de 1960. Intelectuais renomados como os franceses Francis Ruellan e Pierre Mombeig, o estadunidense Preston James, o alemão Leo Waibel, forneceram subsídios teóricos e metodológicos para a púbere geografia moderna brasileira instalada no seio ibegeano. Em alguns casos, isso acontecia pelas orientações em mestrado e doutorado. Em outros, com a mão na massa mesmo, através de pesquisas de campo feitas em conjunto com o IBGE.

Esse grupo de geógrafos estrangeiros influenciou uma lendária geração de geógrafos brasileiros dos trinta primeiros anos do IBGE. A nata da Geografia estava no órgão. Nilo Bernardes, Pedro Geiger, Spiridiao Faissol, Fabio Soares de Macedo, Orlando Valverde, José Veríssimo, entre outros, foram exemplos de que discutir Geografia nesse período sem citar o IBGE é falar de futebol sem citar a seleção brasileira. Sem exagero.

No início dos anos 70, uma equipe de mais de trezentos geógrafos e economistas de debruçavam em pesquisas regionais ou em análises de censos demográficos e econômicos. Dessa equipe, boa parte eram mestres e doutores. Até aí, a Geografia sobrevivia com certo status dentro do órgão. Nos anos seguintes, os fatos contrariaram o ditado popular de que, em alguns casos, se perde a coroa, mas não a majestade. A Geografia perdeu ambas. Basta lembrar que após o governo Médici, a contratação de geógrafos simplesmente cessou.

Para piorar a situação da Geografia, houve um certo desinteresse por estudos regionais. Era a valorização por excelência das políticas macroeconômicas. De preferência sem especificar as absurdas disparidades regionais cada vez maiores, apesar do ‘milagre
econômico’, claro.

O IBGE se transformou numa imitação pálida do que fora outrora. Patética, até. Se atentasse para a própria decadência, há muito haveria retirado o G de seu próprio nome. Hoje, nem o E se sustenta mais. O simples serviço de estatística agropecuária não será mais feito. Resumindo: não há mais razão para esse órgão continuar existindo. Não nessas condições, de achatamento progressivo do orçamento.

Completou-se dez anos sem Censo. A radiografia da economia agrícola brasileira não será feita esse ano por absoluta falta de dinheiro. Segundo o presidente da instituição, o órgão trabalhará com estimativas – ao invés dos dados censitários. Se troca o eficiente Raio X por um duvidoso filme negativo.

Em tempos de loucura pelo superávit primário e pelas surpresas do caixa dois, uma saída mais simples e menos cara: contratar o IBOPE. Ou o DataNexus – mas por preço de um IBOPE. A diferença de valores pagaria despesas do Partido que estiver no poder. Ou o meu mensalão, pois a idéia foi minha. Ora pois.