Viagens

As viagens oficiais podem ser um bom indicador da importância dos barnabés. Enquanto alguns se divertem comprando sapatos uruguaios e alfajores portenhos, outros se embrenham pelos mais recônditos lugares da hiléia brasileira.

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Uma semana fora de casa e trabalhando os três períodos é de amansar qualquer jacaré-açu.

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Gangue invade o colégio e mata um garoto. Notícia de cidade grande ocorrida em uma das centenas de vilinhas emancipadas do norte do país. Se sua cansada epiderme urbana imagina o interior brasileiro como algo paradisíaco, esqueça.

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Caso queira curtir o feriadão às margens do rio formador da maior ilha fluvial do mundo, a hora é agora.

Só não esqueça o Repelim, por favor.

Relação venenosa

Suposto diálogo entre a primeira mulher a ocupar uma vaga na Câmara dos Lordes, Nancy Astor, e o primeiro ministro inglês, Winston Churchill:

– Winston, if I were your wife I’d put poison in your coffee.

– Nancy, if I were your husband I’d drink it.

Finados

A morte é um tema que sempre me deixou extasiado. Histórias sobre essa famigerada eram minhas preferidas na infância. Uma delas me tocava profundamente: a existência de um povo por aí que chorava quando alguém nascia e promovia a maior festança quando alguém morria. Era o trágico subordinado a alegria.Não chego a ter esse comportamento, necessariamente. A comparar com as pessoas que me rodeiam, contudo, sinto-me meio que deslocado. A morte não me amedronta; só quando ela rodeia meus amigos, parentes e conhecidos que me descabelo.

Talvez seja isso um exemplo perfeito para ilustrar a teoria de Morin sobre a morte. Quanto mais forte a individualidade do outro esteja presente sobre a nossa, maior a violência da perda. Por isso ninguém se esquenta com a morte de um vizinho pé-rapado qualquer e se comove profundamente com o obituário de alguma estrela. Assim, a morte é muito mais um evento social do que um mero fato biológico.

Para Lewis Mumford, renomado historiador estadunidense, foi esse evento social um dos principais influenciadores na sedentarização do homem. Os nômades sempre retornavam aos locais onde haviam parentes enterrados. Esses lugares, apropriadamente denominados de necrópoles, deram origem às primeiras gerações de cidades. Curiosamente, as cidades dos mortos deram origem as cidades dos vivos.

Partindo do vivido, e não do concebido, o geógrafo paulista Eduardo Rezende estudou os múltiplos usos do cemitério. O objeto de pesquisa foi o cemitério de Vila Formosa. O autor é um exímio conhecedor dessas áreas. Mais de 400 receberam sua visita. Em Metrópole da morte, Necrópole da vida, Rezende mostra que existe sim vida nos cemitérios. Nem que seja para empinar pipas e soltar balões.

E assim, a alegria subverte a tragédia da morte, do fim, mais uma vez.

La géographie ça sert d'abord à faire la guerre

LA GÉOGRAPHIE ÇA SERT D’ABORD À FAIRE LA GUERRE

Os milicos ianques não gostaram. Os professores de Geografia adoraram. O Google Earth representa uma revolução no ensino de Geografia. Os velhos mapas com meia dúzia de cores em breve estarão aposentados. Ou, pelo menos, se igualará em importância ao velho mimeógrafo encostado no depósito. Nenhum incauto poderá mais ser enganado; a Argentina não é alaranjada.

Já faz bem uns dois meses que passeio pelo planeta utilizando o tal. Não na quantidade de tempo que acredito como ideal (o que? Oito horas em frente ao PC na China é suficiente para me internarem? Oh, Deus, gracias por esse sol tropical…). Mas… como não existe nada perfeito, o Tocantins e o Mato Grosso do Sul não existem nesse super-mega-ultra-hiper modernoso programa. A inexistência do Lago de Palmas, formado em 2001, demonstra a desatualização do banco de dados do software.

Todavia, porém, contudo, entretanto… não são essas coisinhas que tiram seu fascínio. São assombrosos os detalhes das imagens. Tão apurados que vários governos já se manifestaram contra o programinha. China, Austrália e os militares norte-americanos já menearam a cabeça, horrorizados.

Novos sentidos são dados às escandalosas idéias de Yves Lacoste em A Geografia serve, antes de mais nada, para fazer a guerra, de 1975. Nesse livro, o geógrafo francês identifica duas geografias: a “Geografia dos Estados Maiores” e a “Geografia dos Professores”. Essa, neutra, asséptica, desinteressada. Aquela, saber estratégico, útil aos Estados e corporações capitalistas. Em processos concomitantes, o fortalecimento dos raciocínios espaciais se dava ao mesmo tempo em que um saber geográfico banal se popularizava, através da inútil, chata e decorativa geografia escolar.

Cinco anos depois, Lacoste escreveu “Os objetos geográficos”, publicado originalmente em “Cartes et Figures de la Terre” e traduzido para o português em 1988. Nesse texto, o eminente geógrafo apontava as dificuldades em fazer o levantamento cartográfico quando não existia ainda o ‘olhar vertical’, a ‘vista de cima’. Considerar, controlar, dominar, atravessar – sublinha Lacoste – eram preocupações tanto dos dirigentes das grandes empresas quanto dos chefes de Estado. E isso centenas de anos antes de existir propriamente uma Geografia instituída – escolar ou científica.

Pois bem. A tese da supervalorização dos mapas era válida quando produtos cartográficos eram objetos sigilosos nos quartéis e gabinetes de guerra. O aumento insano de informações viabilizado nesse mundo internético poderia mudar as regras do jogo. Os mapas sistemáticos se tornaram eminentemente públicos e os mapas temáticos já não são mais inacessíveis. Muda o paradigma?

Estar nu nos dá a sensação de insegurança (excetuando Luz Del Fuego e discípulos). Insegurança gera paranóia. Isso talvez explica a histeria daqueles que amaldiçoam o Google Earth. Eles estão pelados. Ao contrário do que acontecia no passado, é pouco provável que essa nudez favoreça um lado de qualquer guerra. Afinal, ambos guerreiros estão nus.

Alguns apelam pela suscetibilidade ao terrorismo. Considerando que o terrorista está vestido e muito bem escondido, pode até ser procedente. Ocorre, todavia, que o Google Earth não é a fonte cartográfica de algum terrorista nerd, desejoso de explodir alguma torre por aí. Nesse mundo de zilhões de informações, as coordenadas geográficas da Casa Branca estão a um olhar sobre uma planta urbana da cidade de Washington. Chega ao limite da ridicularidade esmaecer o palácio presidencial, como se isso bastasse para despistar mísseis inimigos.

Enquanto isso, a nova “Geografia dos Professores” se diverte com o maravilhoso mundo oferecido pelo Google.


Vazio onde antes estavam as duas torres do WTC.


As duas torres do CN ainda estão de pé.

Eu tive um sonho

Os candidatos foram Alckmin, César Maia, Heloísa Helena e, claro, Lula. Parte considerável dos tucanos apoiou o prefeito carioca. A Heloísa quase conseguiu, mas pequena margem de votos colocou Maia no segundo turno, apoiado nesse round por todos os outros partidos de oposição. A derrota do PT foi acachapante.

No Congresso, Fleury se destacava como líder do novo governo. Em companhia de gente de outras lutas, propôs um pacote de medidas visando atacar os bandidos brasileiros. No pacote, dois previsíveis referendos: um pela redução da maioridade penal para catorze anos; o outro visava oficializar a pena de morte no Brasil.

O mais polêmico, porém, foi o projeto aprovado do Bolsonaro intitulado ‘Para cada cidadão, um revólver na mão’. Acordo bilionário entre o novo governo e a Taurus possibilitou a venda de armas a preços populares para gente de bem. Ticket’s munição eram doados junto com cestas básicas, permitindo qualquer pessoa comprar balas em supermercados credenciados.

O sonho acabou no momento em que eu colocava a plaquinha ‘Aqui mora um cidadão de bem’ no muro aqui de casa. Lembro ainda que um grupo de mendigos deitados na calçada saiu em disparada. Estavam pálidos e com os olhos arregalados.

Presidente por um dia

Hoje tive um dia de presidente. De seção eleitoral, que fique claro. O privilégio de enforcar dois dias na repartição me deixa cada vez mais honrado com meu compromisso de cidadão.

A eleição foi tranquilíssima. Nem os sexagenários vovôs tiveram trabalho. Dois cliques, e pronto.

O resultado da minha seção não me assustou; pelo contrário, confirmou minhas suspeitas. Pelo NÃO à proibição do comércio de armas e munição, 125 votos. O SIM ficou com pífios 24 votos.

Muitos blogs partidários do NÃO já davam como certo a vitória do SIM. Para eles, o povo é burro, ignorante. Não saber escolher seus políticos é uma prova da inaptidão da plebe. Logo, escolherão a opção errada. Só isso que gente estúpida faz. E os brasileiros são ignaros por natureza. Esses blogueiros questionavam inclusive a veracidade da pesquisa que dava a vitória ao NÃO.

Alguns desses terão minha visita assim que sair o resultado oficial do referendo. Quero ver a explicação para o inusitado fato. Teriam os brasileiros se conscientizado de sua insignificância e acordado do berço esplêndido? Ou os tais blogueiros compartilham da índole daqueles que por eles foram ‘diagnosticados’?

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Nenhuma notícia pré-referendo me divertiu mais que essa.

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A madrugada de hoje me presenteou com um sonho pra lá de bizarro. Amanhã eu conto aqui.

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Enfim, a normalidade. Nada de propagandas demagógicas, nada de lixo eletrônico. Acima de tudo, sem debates dividindo famílias e abalando amizades.

Velinhas

Hoje, motor 2.6. Turbo por tempo ilimitado. Como se fosse novo, OK?

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Em 1995, o eufórico então presidente do Flamengo, Kleber Leite, montou uma badaladíssima equipe. A ambição era comemorar o centenário do time com muito champanha. Treinado por Wanderley Luxemburgo, o ‘ataque dos sonhos’, composto por Romário (eleito melhor do mundo em 1994), Sávio e Edmundo, não impediu o pesadelo da campanha flamenguista. Por pouco o time não cai para a segundona.

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O ano era o de 2000. O ministro do turismo Rafael Grecca anunciava uma majestosa comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Até uma réplica da nau de Cabral foi construída. Usando moderna tecnologia e consumindo quatro milhões de reais, a nau Capitânia mal conseguiu fazer o trajeto entre Salvador e Porto Seguro. Não demorou muito para o ministro ser demitido.

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Em 2005, o Partido dos Trabalhadores tinha tudo para comemorar as bodas de prata. Vinte e cinco anos após sua fundação, o PT tornou-se o primeiro partido de esquerda na presidência do Brasil e o maior na Câmara dos Deputados. Os acontecimentos dos últimos quatro meses foram suficientes para deixar a estrela com um brilho opaco e o salão de festas sem luz.

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A revista Caras bem que insistiu na comemoração do vigésimo sexto outubro desse escriba em sua famosa ilha. Os exemplos acima foram mais que suficientes para meu sonoro não. Badalação, flashes, euforia… isso parece trazer uma bruta ‘urucubaca’ a qualquer festejo. E nem precisa ser fracassomaníaco. É só um pouco de prudência. Coisa de matuto mesmo.

UPDATE (19h20): doce surpresa (literalmente) na repartição. A imagem trêmula é testemunha da emoção do fotógrafo-aniversariante. Vai um teco?

Depois do texto de ontem do Ronzi, devo explicações sobre a cor rosa do bolo. 😉

A confeiteira conhece todos os servidores do prédio. No meu departamento existem dois ‘Jus’. Uma, a Ju, e um, o Ju. Razão da confusão, então. Bem explicado, né?

A contrario sensu

O debate no Roda Viva, da TV Cultura, estava sendo anunciado durante toda a semana que se passou. Para os indecisos, uma excelente oportunidade de ver confrontado os principais argumentos das frentes pelo SIM e pelo NÃO à proibição da comercialização de armas de fogo e munição no Brasil.

Eu tentei assistir. Sério mesmo. Depois de ver o dep. Alberto Fraga, presidente da Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa, assinalar que a proibição é um projeto do governo federal (sic!) e que talvez a próxima proibição será o uso de automóveis no Brasil (rá, rá, rá, rá.), não tive dúvidas. Voltei para “Carga Explosiva”.

[São deliciosos esses filmes de ação. A arma nunca mata homens de bem. Ou quase nunca. Se há armas em jogo, o final é sempre feliz. Por isso que adoro a ficção.]

Fiz uma segunda tentativa, entre uma parte e outra do filme. Nessa, assisti o mais midiático geógrafo da era pós-Milton Santos, Demétrio Magnoli, dizer que sua opção pelo NÃO era política. Certo, melhor voltar para o filminho da Globo mesmo.

Na verdade, o que acontece é que os meus cansados olhos e ouvidos estão desejosos de estarem em qualquer lugar, mas com tempo definido: depois de 23 de outubro.

Nesses últimos dias, participei de chats, fóruns e de algumas caixas de comentários. Incrível como esses ‘debates’ são parecidos com estéreis discussões religiosas. Em sua maior parte, os argumentos, por mais coerentes que sejam, são tão eficientes quanto malhar em ferro frio. Tanto de um lado quanto de outro. As convicções inabaláveis e inflexíveis se sucedem. O silêncio nas réplicas e nos comentários dos post’s equivale à discordância. E haja tortuosidade e má-fé entre os debatedores e argumentadores.

A propósito, esse blog não publica mais nada a respeito desse referendo até domingo. A julgar pela hesitação em comentar no excelente post de ontem do Biscoito, a decisão se estende também para as caixas de comentários.

Celebrando…

No Chile, se comemora no dia 16 de outubro. Na Argentina, em 11 e 17 de setembro. Na China, 10 de setembro. Cada dia, em cada país, faz referência e reverência a algum fato ou personalidade homenageado.

Os brasileiros usam o 15 de outubro, hoje, para as comemorações oficiais do Dia do Professor. A homenagem faz referência a 15 de outubro de 1827, ocasião em que o imperador Pedro I outorgou a Primeira Lei Geral da Educação Básica brasileira.

A sociedade patriarcal deixou sua marca, obviamente, mas já acenando mudanças. Apesar de excluir a Geometria na educação das meninas (substituída por costura, bordado e etc.), a Lei concedeu paridade entre os salários dos professores e das professoras. Além disso, procurava descentralizar o ensino no Brasil, autorizando o funcionamento de escolas em vilas e arraiais.

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Da minha listinha de blogs de leitura obrigatória, vários são escritos por gente que exerce (como eu) ou já exerceu a nobre profissão. Homenagens para:

Tereza, do Blogicamente, é professora de Língua Portuguesa em Charneca de Caparica, cidade separada de Lisboa pelo rio Tejo.

Suzana, do Su/Gutierrez (Blog da Su) é professora de Educação Física no Colégio Militar de Porto Alegre e entusiasta dos ambientes virtuais de aprendizagem.

Alfred Neuman, d’O Barnabé, já lecionou história em um cursinho pré-vestibular na capital federal.

Edk, do Longe Demais, também já deu aulas de história em Rio Branco, Acre.

Fernando Cals, do Observador, atuou em uma Faculdade de Arquitetura por mais de catorze anos.

Roberson, do Incontinentia Verbalis, é professor universitário, lecionando medicina legal no primeiro Centro Universitário do estado de Goiás.

Idelber, do Biscoito, ilustra o quadro de professores da Tulane University, em Nova Orleans, EUA.

Luis Palma, do Geografismos, está exercendo a profissão em Lisboa. Montou uma maravilhosa rede de blogs entre seus alunos.

Ana Lúcia, do P(Arte), PhD em História da Arte, é professora universitária no Canadá.

Daniela, do Idiossincrasia, especialista na língua do mercosul, trabalha na UFBa.

Antonio Carlos, do Geógrafos Sem Fronteiras, leciona Geografia no Instituto Coração Eucarístico, em Belo Horizonte-MG.

Nina, do Em poucas palavras, ensina as crianças de Pouso Alegre, também em Minas, sobre a ‘arte de manifestar os difersos afetos de nossa alma‘ (P. Bona).

A todos, Feliz Dia dos Professores.

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Nessa data, é obrigatório lembrar as péssimas condições de trabalho do professor brasileiro – notadamente a maioria, responsável pela educação básica. O salário baixíssimo não permite sequer a aquisição rotineira de livros. Poucos professores possuem acesso a Internet. Aqueles que possuem, falta o precioso tempo – uma vez que se desdobram em dois ou mais empregos (eu que o diga, com meu eventuais três períodos de trabalho por dia…).

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Hoje, assim como em qualquer outra data, sempre aparecem textos-chavões. Não vê-los é como passar o sete de setembro sem discutir se o Brasil é ou não independente. Abaixo, um texto que, mormente tê-lo visto pela primeira vez há uns dez anos, não consigo esconder um maroto sorriso nos lábios ainda hoje.

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O PROFESSOR SEMPRE ESTÁ ERRADO

Quando…

É jovem, não tem experiência.
É velho, está superado.

Não tem automóvel, é um coitado.
Tem automóvel, chora de “barriga cheia”.

Fala em voz alta, vive gritando.
Fala em tom normal, ninguém escuta.

Não falta no Colégio, é um “Caxias”.
Precisa faltar, é um “turista”.

Conversa com outros professores,
Está “malhando” os alunos.
Não conversa, é um desligado.

Dá muita matéria, não tem dó dos alunos.
Dá pouca matéria, não prepara os alunos.

Brinca com a turma, é metido a engraçado.
Não brinca com a turma, é um chato.

Chama a atenção, é um grosso.
Não chama a atenção, não sabe se impor.

A prova é longa, não dá tempo.
A prova é curta, tira as chances do aluno.

Escreve muito, não explica.
Explica muito, o caderno não tem nada.

Fala corretamente, ninguém entende.
Fala a ‘língua’ do aluno, não tem vocabulário.

Exige, é rude.
Elogia, é debochado.

O aluno é reprovado, é perseguição.
O aluno é aprovado, ‘deu mole’.

É, o professor está sempre errado.
Mas se você conseguiu ler até aqui, agradeça a ele.

Anônimo